Na esmagadora maioria do estudos de grande dimensão não existe nenhuma correlação entre nascimentos e fases da lua. In the largest study, published in 2001, astronomer and physicist Daniel Caton examined 20 years of data from the National Center for Health Statistics – about 70 million U.S. births. He found no correlation between the full moon and deliveries. (At about the same time, French researchers looked at 14.5 million births in Europe and also discovered no patterns.)
Nesta fase foram muitos os amigos, colegas e conhecidos (e comentadores!) a mencionar, para nos dar ânimo e força, que estamos numa lua cheia e que isso vai ajudar. Até porque estamos de facto nas 41 semanas em plena lua cheia. Eu agradeço e fico feliz. Aliás, é algo que se diz com boa vontade e muitas vezes em tom de brincadeira, como quando se discute o signo do bebé: “vai ser leão, vai ser assim e assado, prepara-te!” Discutir isso com as pessoas seria tão indelicado como discutir a existência de Deus se alguém me dissesse “correu tudo bem, graças a Deus”. Feito o breve disclaimer, o meu trabalho de consultor é analisar informação, testar hipóteses e construir uma teoria. No meu trabalho tenho de lidar constantemente com o enviesamento cognitivo, a começar pelo meu próprio enviesamento cognitivo quando estou entusiasmado com uma hipótese e procuro, nos dados e nos padrões, factos que a apoiem. O trabalho em equipa é importante pois é no debate com outros, sejam colegas ou clientes, que ocorre uma negociação de enviesamentos e subjectividades, resultando em algo que resiste ao bom senso, que está blindado. Isto sucede porque não trabalho numa ciência exacta (marketing) em que meros factos podem provar uma hipótese ou derrubar outra. Também estudo o enviesamento cognitivo dos seres humanos perante escolhas e percepções. Há tempos, num pré-teste, ouvi uma dona de casa responder à questão “de que marcas se lembra quando pensa em telecomunicações?” com um muito engraçado “lembro-me de todas menos da marca xis, estou zangada com eles!”
Para além do trabalho, também passei por outras aprendizagens, nomeadamente, o poker, que me ensinou, pela análise estatística das centenas de milhares de mãos on-line, que existe um enviesamento cognitivo gigantesco no que respeita à percepção do azar e da sorte. Aliás, cheguei à conclusão que nunca vou ser suficientemente frio e racional para não deixar que as emoções e frustrações prejudiquem as minhas decisões no poker e desisti do projecto de ser jogador profissional online: sou demasiado temperamental e emotivo. No fundo, não consigo deixar de acreditar (subconscientemente) que há algo de intencional quando tenho azar e isto apesar da minha formação, matemática com especialização em estatística / probabilidades já me ter dado muita porrada cognitiva. Por exemplo, uma chave do euromilhões com 1,2,3,4,5 tem as mesmas probabilidades que 4, 13,16, 25, 40 ou outra qualquer, mas sempre que digo isto a alguém, corro o risco de enfrentar ira e negação. A propósito, é má ideia escolher a chave 1,2,3,4,5 porque muita gente joga com ela e o prémio tem de ser dividido por muito mais pessoas do que uma chave totalmente aleatória. Fica aqui a dica. E de novo, se isto gera outra reacção contra-intuitiva, tenham em consideração que é raro haver mais de 1 apostador vencedor do primeiro prémio do euromilhões, mas que se sair 1,2,3,4,5, podem ter a certeza que não faltam engraçadinhos que a escolheram (no reino unido são, em média, 10 mil por sorteio).
Uma enfermeira de maternidade tende a memorizar muito mais as noites de lua cheia em que a maternidade esteve muito ocupada do que uma noite sem lua cheia com o mesmo movimento ou que uma noite de lua cheia sem movimento. Porquê? Porque quer. Depois, existe um reforço social e cultural para perpetuar a crença, especialmente uma que é simpática e que confere à vida mistério e beleza. Assim, quando uma enfermeira diz que tem mais partos na noite de lua cheia, nós registamos esse facto como uma coisa misteriosa e agradável. Se uma enfermeira disser “não noto padrão nenhum” o mais certo é que isso se varra da memória de quem quer acreditar ou que seja considerado uma excepção (ou até um indicador de que a enfermeira é inexperiente ainda). No caso das luas e dos bebés, confere até uma ligação cósmica com o universo.
Contudo, uma coisa seria haver uma relação entre nascimento e luas e não se saber explicar isso e então atribuir-se o fenómeno a causas como a gravidade de uma lua cheia (o que estaria profundamente errado, o efeito gravítico é praticamente nulo e não tem relação com a lua estar cheia ou não, mas sim com a distância da mesma, mas não é o âmbito do post…) ou outro factor misterioso. No entanto, outra coisa diferente é não haver relação quando se analisam milhões de nascimentos em estudos. Vejo aqui uma diferença porque se está a atribuir uma explicação a um fenómeno que não existe à partida. Se o fenómeno existisse, os cientistas procurariam uma explicação científica. Pondo de parte o mito da força gravítica, poderia haver uma explicação psicológica que, creio eu, já ter visto testada noutros fenómenos (ex: crimes). Uma grávida poderia tender a acreditar que dá à luz na lua cheia e isso poderia favorecer, sub conscientemente, um parto nessa data e não no dia anterior ou seguinte. Isto poderia ser analisado comparando padrões de nascimentos em mães (ou culturas inteiras) que têm essa crença, com padrões de culturas ou mães que não têm a crença no impacto da lua cheia. Mas a relação não existe à partida, pelo que duvido que um cientista se venha a interessar por esse fenómeno, sendo muito mais interessante o fenómeno que explica porque tanta gente acredita no impacto da lua cheia nos nascimentos, mesmo que não haja nenhuma alteração no padrão dos ditos nascimentos com a lua cheia. Pelo menos para mim, não é menos misterioso e fascinante a tendência que temos, toda a vida, de precisar de algo mais do que meros factos escalpelizados pela ciência. Gostava que alguém estudasse porque sou do Benfica e encontrasse a cura, por exemplo.
Existem outras coisas que se baseiam no mesmo tipo de enviesamento cognitivo ou validação subjectiva, como a astrologia e os horóscopos. No entanto, a astrologia diz respeito a coisas muito complexas, como traços de personalidade ou factos vagos. Nesse caso, a relação causa-efeito não pode ser tão facilmente estudada (mas não era impossível) como a relação entre nascimentos e luas e abre-se um espaço mais amplo para criar um complexo e belo sentido e padrão num aparente caos. É só ficar à espera de ver o padrão confirmar-se e ficar feliz por ele se confirmar. Eu nunca vi esse padrão e rio-me do meu horóscopo, mas as pessoas que acreditam na astrologia atribuem o facto de eu não ver padrões à minha vontade de não ver padrões. Como disse, é complexo. Não é o caso dos bebés e das luas.
De resto, não sou exactamente a pessoa menos espiritual à face da terra e estou longe de ser a mais racional. Por exemplo, ainda não entendo muito bem a Vida. Do mesmo modo que na morte do meu primeiro cão na mesa do veterinário me pareceu (e ainda parece) completamente inconcebível que a Vida acabe e simplesmente “desapareça”, também oiço o coração da Júlia no CTG e parece um pónei tresloucado e é uma pessoa… Isto não me cabe na cabeça: sair de casa a caminho do hospital: duas pessoas, check. Voltar para casa do hospital: três pessoas. Sim, aquelas moléculas vieram de cozinhados que preparei ao longo de 9 meses… sei que sou bom cozinheiro, mas também não é preciso exagerar. Ver para crer. Só acredito quando vir o bebé. E mesmo assim, não sei se é uma pessoa. Pode ser só um bebé. Sou desconfiado. Vou esperar para ver se também ri e se depois vai falar e andar. Enfim, suspeito que vou olhar para ela incrédulo durante toda a vida, à procura de explicação. E sim, que nasça na lua cheia, que reforce muito as crenças de toda a família e amigos. Eu, secretamente, sei que se nascer nos próximos dias foi por causa da minha corrida hoje às 5 da manhã em direcção a uma aurora cor de rosa. Porque é uma menina.