Acompanhem-me neste texto, venham daí amigos. De mão dada, isso, em fila. Aqui há uns anos (10?) tinha muita facilidade em falar sobre os livros que lia. Podia citar-me de novo e colar aqui que “emitimos opiniões nos espaços que a ignorância permite” e cito. Agora sou uma pessoa que se cita a si própria, já que ninguém me cita, a não ser nas respostas oficiais que recebo da Segurança Social a propósito de uma reclamação minha. É muito difícil falar de coisas sobre as quais sabemos um pouco mais do que nada. Porquê? Porque dá trabalho. Então cada texto sobre qualquer coisa se ramifica, potencialmente, num tratado interminável e não tenho tempo. Cada novelo tem de ser desenrolado e validado até ao fim. Nos blogues escrevemos para uma população que é, a maior parte das vezes, bem mais ignorante do que nós nos referidos assuntos, para além de ser assaz menos curiosa do que nós (eu e eu), pelo que é raro contradizerem-me, o que é bastante agradável e libertador. Se quisesse discutir 300 vezes o motivo pelo qual o Breaking Bad é mero lixo televisivo, por que motivo o Gonçalo M. Tavares é um escritor menor, por que motivo os The National merecem o esquecimento de um mau sonho que passou ou por que motivo o Tribunal Constitucional é um exemplo perfeito do nosso atraso civilizacional pelos vistos impossível de resolver, então podia discutir com pessoas cara a cara, mas nem isso faço, se há coisa que me caracteriza nos tempos que correm é simplesmente ouvir, remoer e seguir em frente. Há dias, por exemplo, no café, o senhor insurgiu-se contra a lei que equipara as bicicletas a veículos nas rotundas, uma coisa que eu, pela minha experiência, até via acontecer mesmo antes da lei existir, visto que felizmente há senso na maior parte dos condutores. Na opinião daquele iluminado, o problema das estradas são as bicicletas que têm a mania que podem fazer tudo (sic). Guardo os meus “remoímentos” para mim.
A Narrativa de Arthur Gordon Pym de Nantucket do Edgar Alan Poe é um daqueles livros que posso incluir na categoria de obras como o Robison Crusoe, do Daniel Defoe, o Huckleberry Finn do Twain, o Frankenstein da Mary Shelley ou o Dracula do Bram Stoker. Cada um, à sua maneira, tem um ponto de partida bastante humilde: procura entreter com aventuras ou com o fantástico, muitas vezes numa postura que parece quase juvenil (devo dizer que não li ainda o Frankenstein, mas já googlei e já vi que não tenho razão uma vez que o título original do Frankenstein até tem o “o Prometeu Moderno” à frente, o que revela um certo excesso de consciência da Mary Shelley que a atira para fora do campeonato a que me refiro).
Muitas vezes estes livros têm um equivalente de literatura que podemos considerar séria. Não sei se é muitas vezes, mas eu acho que pelo menos algumas vezes sim. Assim, o Candide do Voltaire ou o Bom Selvagem do Rousseau têm um antepassado no Robison ou no Sexta-Feira, escrito muito antes, como se depurassem o que, inconscientemente, Dafoe escreveu muito antes num romance de aventuras. No caso deste livro do Poe, a primeira comparação é com o portento aborrecido megalónico do Moby Dick do Melville, um livro do qual consegui extrair uma enorme arte nos 20% legíveis e interessantes e sentir-me torturado nos restantes 80%*, uma vez que tem uma parte com um baleeiro que sai de Nantucket e também um índio maluco e assustador a bordo. A comparação fica por aí. É só que acho que não se dá o crédito devido às pessoas e depois o país não anda para a frente, nem sequer a parte literária do país. No outro dia liguei a televisão de sinal aberto 20 minutos em horário nobre e fiquei deprimido. Se aquilo é horário nobre, não quero imaginar o horário da plebe. Jesus Cristo. No telejornal passou uma reportagem de rua em que a repórter perguntava a pessoas diversas o que achavam de Abril ser o mês do ano com mais feriados.