primeiras chuvas

Instantâneo que capta no momento em que um autocarro da Carris passa por mim na Baixa num dia de chuva intensa
carris

Já tinha saudades de ir de bicicleta para o trabalho num dia de diluvio épico, com direito a trovoada e tudo. Acho que todos os anos escrevo este texto mais ou menos por esta altura e digo o mesmo, mas com outras palavras, ao jeito obra de Lobo Antunes.  Mas o facto é que todos os anos o Verão acaba e o final do mês de Setembro costuma concentrar uma grande transformação na cidade e eu sinto-me compelido a registar grandes transformações concentradas, seja na cidade, no campo ou no mar. Eu gosto muito de chuva e costumo enjoar dos longos períodos de calor e seca inerentes aos verões do aquecimento global, mas curiosamente, este ano, senti-a particularmente triste. Primeiro, porque acabou um período da minha licença paternal e vi-me afastado da Fominhas Roupinhas, de novo no escritório. Segundo, porque dois dias antes das primeiras chuvas, achei que era boa ideia tirar os guarda-lamas da bicicleta que lá estavam desde o inverno passado e que pensei serem desnecessários visto que nunca mais chove e deu-me uma trabalheira colocá-los outra vez. Isto, combinado com tempo chuvoso e o aspecto apocalíptico que Lisboa adquire sempre que chove, mexeu um pouco comigo e pôs-me melancólico. A solução, claro está, é cantar à chuva, Frank Sinatra style. Se não a podes vencer, junta-te a ela. Curiosamente, só vi um ciclista hoje, muito giro, com um blusão amarelo fluorescente e um capacete desportivo, cheio de estilo. Depois percebi que era eu próprio reflectido numa montra, parado num semáforo. Fora isso, não vi nenhum maluco. Compreendo. As primeiras chuvadas e ventos ciclónicos separam as águas. É bom observar a cidade do lado molhado, por oposição ao lado seco. Há pessoas que saem de um carro, com uma mala por cima da cabeça ou uma pasta, a correr desajeitadamente para dentro de um prédio, outras que tentam saltar, sem sucesso, por cima de uma poça de água no passeio, outras que fogem do tsunami acastanhado com espuminha de óleo à passagem de um autocarro, outras cujo chapéu de chuva se contorce como um esqueleto desconjuntado por rajadas. E nisto, as estradas engasgam-se de carros fumegantes, de pára-brisas embaciados, veículos sinistrados e condutores autuados. E eu?

Eu sou a tempestade. Eu, o grande relâmpago amarelo, com o meu blusão fluorescente, as minhas botinhas e o meu capacete desportivo, voo no meio do caos, as minhas rodas apartam as águas furiosas muahahaha…. Bom, hoje por acaso, tive mesmo de sair da estrada e refugiar-me num toldo ao pé de duas velhotas. Mas foi só um bocadinho e porque achei que era pouco seguro pedalar sem os meus óculos de natação, pois já não conseguia abrir os olhos devido ao impacto das gotas nas córneas.

Tenho muita pena que este escritório não tenha um secador de mãos daqueles com ar quente, mas por outro lado já não corro o risco de ser apanhado em posições acrobáticas e suspeitas com as duas peúginhas nas mãos, todo entretido a secar-me.

One thought on “primeiras chuvas

  1. Eu gosto do Inverno. Ver do alto do meu castelo até lá longe,até onde o mar espelha o céu e os cinzentos se misturam, cada ver mais escuros , cortados por raios que esgrimam luz em todas as direcções. Gosto do frio ,da roupinha quente, e da fominha que o tempo frio traz consigo ( roupinha e fominha… eheheheheh) . Gosto de chegar molhada e tomar um duche quente… Gosto de te ler embrulhada num polar. Goto quando contas sobre a Júlia. Gosto que sejas o Flash-on-a-bike… gosto quando danças á chuva como o Gene Kelly…, Ena , daqui a nada apresento-me : Andrews, Julie Andrews… Beijinho. 🙂

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