Tropecei neste artigo de opinião de Marco Silva no DE e fiquei impressionado. Começa logo de forma impressionante:
Inadvertidamente ou não o ministro Rui Machete fez o melhor serviço ao país desde que iniciou funções, desmascarando com as suas declarações a falácia existente sobre a sustentabilidade da dívida e o regresso aos mercados, e colocando o dedo na ferida que outros têm vindo a esconder, como o primeiro-ministro e o seu vice, que se apresaram a desmenti-lo.
Vamos só aqui colocar uma fotografia desta pessoa que fez o melhor serviço ao país desmascarando falácias:
Perdão, ministro errado, este foi o que prestou o grande serviço à Pátria modernizando a mentalidade rígida e retrograda dos chineses ao apresentar-lhes o conceito de pontualidade lusitana. Referia-me a este:
É realmente uma pessoa que tem um ar de prestar serviços à pátria e desmascarar falácias. Na foto, parece mesmo estar a perscrutar uma falácia no horizonte longínquo. Aguardemos. O artigo está linkado, é de ler, mas para mim o parágrafo que mais sobressai é este:
No mundo financeiro a informação é o activo mais precioso. Julga-se que um investidor que arrisca 500 milhões de euros em dívida nacional está à espera que um ministro lhe diga para onde vai o seu investimento? Os investidores e os “mercados” sabem mais de olhos fechados que nós de olhos abertos e gastam fortunas para ter essa informação. Baseiam-se em factos fundamentais e, nesses, o segundo resgate com um programa cautelar ou não pelo meio é o caminho inevitável.
Nunca me tinha deparado com uma fé tão inabalável nos investidores e nos mercados, assim como na relação entre o preço de um bem e a sua utilidade, neste caso, o bem precioso da informação. Lembra-me a fé que eu tinha nos meus Pump da Reebok que ainda me custaram uma mão cheia de contos. Acreditava que me faziam saltar mais alto a jogar basket, até ao dia em que apareceram os Air Jordan e a cotação dos Pump da Reebok foi por água abaixo, pois os Air Jordan permitiam voar. Ora, se gastam fortunas na informação, é para saberem mais de olhos fechados que nós de olhos abertos (e por nós, entenda-se o leitor que tenha a infelicidade de não ser um investidor com um pé de meia que lhe permita pagar informação decente e fique limitado a ter de ler jornais online).
Então o leitor julga mesmo que os mercados não sabem mais de olhos fechados do que você de olhos abertos? Não se tem visto tão bem na história dos mercados como os investidores especialistas são os primeiros a antecipar o crashes e os defaults e que só nós é que ficamos agarrados a bonds da Grécia, a ações de dot.coms, a fundos de imobiliário espanhóis ou com o dinheiro empatado no BPP? Os investidores até têm o perfil psicológico de Paulo Portas num modelo e previram o arrufo do “não formo governo” e nem sequer pestanejaram. A subida das taxas após essa “crise política” deveu-se unicamente ao nervosismo dos não-investidores que gostam é de ler a Bola e o Record.
Os mercados são um jogo de soma nula, mas quem paga mais por informação fica com as parcelas positivas e quem paga menos ou nem sequer entra nos mercados, paga as favas, como muito bem dizem os especialistas económicos da CGTP. Os investidores são como jedis, acredite. Às vezes, só para não competirem connosco de forma injusta, até assumem o handicap de fechar os olhos e usar a force e mesmo assim têm taxa de rentabilidade superiores às nossas, mesmo que estejamos de olhos bem abertos e com dois cafés em cima a olhar para relatórios da S&P.
Não sendo um jedi dos mercados, por motivos profissionais, tive recentemente de investigar as tendências de economias distintas: países da Europa, países do médio oriente e do sudoeste asiático. O objetivo era obter as melhores estimativas para o risco associado a investimentos em empresas de um determinado sector nessas economias e quais as perspetivas de crescimento económico desses países. Como não tenho acesso a informação milionária, para um mero mortal, o exercício é muito menos ‘matemático’ e objetivo do que se poderia julgar, apesar de redundar em números muito claros (% de crescimento do negócio e custo do capital / taxa de desconto). Até pedi a opinião de dois amigos que tomei por jedis, tendo em conta as respetivas profissões, mas enganei-me, só me vieram com uma treta do “bom senso” para cima. Eu disse-lhes “ó que c**lho pá, preciso de uma % para o crescimento económico nos próximos anos e vocês que são economistas e brokers da city vêm-me com bom senso?”
E com isto, não pude deixar de fazer zoom out ao meu próprio trabalho e à necessidade que tem de pressupostos e o chamado “bom senso” e pensar em todas as decisões que se tomam por esse mundo fora e que fazem isto girar. Uma delas é se vão poder fazer fiado a Portugal a uma taxa abaixo do limite que o especialista ministro Rui Machete determinou (4.5%), prestando um grande serviço à Nação. Ora bem, se há uma coisa de que podemos esta certos é que um yield sobre uma dívida soberana representa as expectativas do mercado quanto ao risco associado a essa dívida. Uns podem apostar que o risco vale a pena porque a Merkl precisa do Euro. Outros podem achar que é muito alto porque o contexto político não é de fiar, especialmente se Portugal não for apurado para o Mundial. Outros acham mais interessante apostar que o ouro vai desvalorizar nos próximos tempos e outros ainda que se calhar é melhor comprar um carro agora que o mercado está mais barato e se conseguem bons descontos.
O mercado está cheio de auto-profecias. No fundo, se um governo assume que precisa de um 2º resgate se um número rondar uma fasquia mágica de 4.5%, a profecia cumpre-se à medida que não se cumprir a profecia muito otimista do Primeiro Ministro de que não vamos precisar de segundo resgate. Neste momento, alguma da informação mais valiosa para quem quer investir em dívida portuguesa é aquela que é discutida nas reuniões do conselho de ministros (não sei se será tão valiosa como o iPhone da Merkl, mas…) Talvez alguém diga “epá, se os juros não baixam de 4.5% estamos fodidos!”. Não sei se usam este tipo de linguagem no conselho de ministros, como não tenho 500 milhões, não consigo ter acesso às escutas que passam em directo num canal hiper-premium da Bloomberg a que só quem tem mais de 500 milhões tem acesso. Mas o Machete, arvorado em Snowden, registou e divulgou oportunamente, perante uma plateia de indianos. Paradoxalmente, também fomos um pouco empurrados para esta situação porque também profetizaram que éramos lixo. O que é bonito é ser uma pessoa que tem a capacidade de influenciar o mercado com as próprias profecias, como as agências de rating ou um Ministro sagaz. A nós, meros mortais, resta-nos flutuar ao sabor destas misteriosas correntes.