proibir as praxes

Agora discute-se a proibição das praxes. É uma boa ideia. Já que estamos lançados, gostava que se proibisse estacionar em 2ª fila com os 4 piscas na Avenida da Igreja para ir buscar frango ao Rio de Mel, especialmente aos sábados. Consultei a lei e não existe nada sobre este exemplo em concreto, da Avenida da Igreja e da frangaria Rio de Mel. Mesmo no geral e abstracto, só diz que é permitido parar em 2ª fila, mas não é proibido estacionar, o que abre possibilidades para interessantes debates entre polícias e condutores, no caso de algum agente de autoridade ter a ideia peregrina de passar uma multa.

Um carro estacionado costuma estar parado, excepto se estiver estacionado num ferry na travessia do estuário do Sado e esse ferry estiver a deslocar-se. Nesse caso, depende do ponto referencial. Para alguém na margem, a viatura estará em movimento, apesar de estacionada. Para alguém dentro do ferry, tudo estará parado e estacionado, excepto as coisas nas margens do rio, nomeadamente viaturas estacionadas que aparentarão estar em movimento, surpreendendo o ocasional passageiro que se tenha esquecido, entre duas sonecas, que estava num ferry.

Poderemos dizer que o oposto é verdadeiro? Isto é, um carro que esteja parado está forçosamente estacionado? A experiência empírica na Avenida da Igreja aos Sábados de manhã em frente à frangaria Rio de Mel sugere que nem sempre é assim, que desde que os quatro piscas estejam operacionais, o condutor pode aproveitar para ir aos correios, tomar a bica, fazer meia hora de fila para o frango, comprar pão e um raminho de flores na florista. O chamamento é a buzina. É frequente vermos estes condutores a comportar-se como suricatas, espreitando da toca  dos estabelecimentos comerciais a cada som de buzina que possa advir do carro entalado pelo seu carro e voltando rapidamente para dentro quando se verifica não ser o caso.

Felizmente, a proibição das praxes é bem mais simples de aplicar e interpretar que este complexo exemplo acima exposto. Os avanços civilizacionais são sempre impelidos por proibições ou obrigações jurídicas. A legislação, essa candeia que alumia duas vezes, antecipa as vontades e comportamentos das massas. Isto está muito bem patente no caso de sucesso do combate ao racismo no futebol por parte da FIFA. Antes, havia racismo, depois a FIFA proibiu o racismo e agora já não há. E o anti-semitismo vai pelo mesmo caminho.

Há muitas pessoas que argumentam que a maior parte dos estudantes quer que as praxes continuem e que a maior parte das praxes não redunda nos exemplos trágicos da praia do Meco. Essas pessoas alegam que, quando muito, se devia proibir tomar banho na praia à meia noite em dia de alerta vermelho com pedras atadas aos tornozelos com a digestão por fazer, uma situação que pode causar problemas a qualquer banhista, mesmo um muito experiente e bom nadador. É uma alegação idiota. Cai por terra quando pensamos no exemplo da proibição do aborto. Antes o aborto era proibido e não havia aborto nos hospitais e nas clínicas portuguesas. Agora legalizou-se e fazem-se mais abortos nos hospitais e clínicas do que antes, quando era ilegal. O movimento inverso poderia aplicar-se às praxes. Proibindo as praxes, os estudantes deixariam de as fazer neste país, só os mais abastados poderiam ir praxar em universidades privadas em  espanha.

Os abusos físicos e psicológicos estão já proibidos por lei, mas não chega. Neste momento, as praxes são como os 4 piscas ligados no exemplo do estacionamento. Pode-se abusar fisica e psicologicamente de alguém mais fraco, desde que se tenha uma colher de pau na mão e um traje académico. Nos lares de 3ª idade há muitos velhinhos que continuam a ser postos em frente à tv sintonizada na RTP1 o dia todo. Também era preciso proibir isso. Se não se proibirem estas coisas, desenvolve-se o síndrome de estocolmo, o síndrome que explica porque muitos caloiros dizem que “gostam das praxes” e acabam por fazê-las aos outros ou porque muitos velhinhos acabam por se afeiçoar ao Malato e ao Fernando Mendes. Como é possível educar os mais novos a serem boas pessoas e a não esfregarem bosta de porco na cara das pessoas, quando a lei não proíbe o oposto e deixa órfãos e sem legitimidade os pais e as escolas deste país?

perca peso, pergunte-me como

Cá está post de corrida de domingo, conforme prometido, para satisfazer todos os pedidos que não me têm chegado por e-mail nem por comentários. Calma, calma, não se acotovelem, aqui está ele.

Cheguei ao fim da 3ª de 16 semanas de treino para a Maratona de Madrid, com uma bela corrida de 18km por uma Lisboa que me surpreende sempre apesar de cá viver há tanto tempo. Hoje o ponto alto foi a descoberta da ciclovia que vai da rotunda do relógio até ao parque das nações, passando pelo Vale do Silêncio, um parque que me lembrou Bruxelas, talvez pelo tempo cinzento, os candeeiros, o verde escuro… foi muito divertido correr por ali. O ponto baixo não foi inesperado: o piso do Parque das Nações. De bicicleta, só mesmo btt naquele empedrado grosseiro. Para correr é péssimo, o pior tipo de piso possível, lado a lado com betão.

V/H/S/2

vhs2

Estou a escrever este post ainda a quente, depois de ter visto um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. Este calhou ser de terror (e comédia). Não quero esquartejar o filme do ponto de vista crítico, mas apetece-me esquartejar críticos. Alguns críticos movem-se numa zona de conforto em que a ironia não tem lugar porque são estúpidos. Uma obra – e entenda-se obra que pode ser de qualquer arte, cinema, literatura etc. – só pode ser levada a sério quando se leva a sério. Quando o autor da obra é o primeiro a rir das expectativas do público, este tipo de crítico sai de cena. Nos casos menos maus, tem uma atitude condescendente e paternalista para com a obra. Acha-a interessante, diz que é gira, mas os elogios, esses, guarda-os para filmes sérios. Apesar do terror e da comédia serem geralmente desprezados do ponto de vista crítico, há comédias e filmes de terror “sérios” e que são instantaneamente aclamados. Um exemplo de comédia séria são os filmes do Wes Anderson, um pascácio indie hipster que faz filmes agradáveis e bonitos. Um exemplo de filme de terror sério seria o Conjuring do ano passado, um bom filme, mas que não acrescenta nada ao género. No fundo, o meu critério prende-se  com a inteligência e sensibilidade a que sou exposto, mas muitos críticos parecem obcecados com o pacote, com a embalagem, a forma. Se um filme tem pelo menos 20 cabeças a explodir e 3 pessoas com as tripas de fora a perseguir um ciclista de btt pela floresta, não pode ser bom.

gaseado

A Júlia começou com comida sólida este mês e, em virtude dessa novidade para a sua inexperiente flora intestinal, tenho a sensação de estar perante quadros do Jackson Pollock em tons sépia de cada vez que lhe abro uma fralda.  Estou a imaginar as lactobacilus e as bifidobactérias de olhos em bico a ver que raio de coisa é aquela que lhes chegou e o que é suposto fazerem. Só isso pode explicar a variância de outputs, sendo que o input é sempre a mesma papa.  Fazem experiências e logo se vê . Vou abster-me de desenvolver mais esses detalhes, mas hoje fui submetido a uma provação paternal . Metia-a no carrier, bem encostadinha a mim, com o objectivo de ir ao supermercado.

nota: isto é o Boba Carrier 3G, o que eu uso

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Como de costume, fechei o meu casaco por cima dela, para a proteger do frio e ainda prendi a capa para a cabeça para a proteger do vento pois tinha acabado de tomar banho. Ficámos os dois assim pertinho, numa espécie de tendinha acolhedora e quentinha… É que nem passei a secção dos frescos do Pingo Doce. Deu um pum silencioso que foi por ali acima por dentro do meu casaco. Senhores… parecia o enxofre das furnas de S. Miguel. Eu não sei. Não sou muito bom a descrever odores, mas este faria o Patrick Süskind desmaiar. Até me vieram lágrimas aos olhos. Fugi dali a largar aquele odor atrás de mim, tentando não perder o equilíbrio ou desmaiar para cima da charcutaria.  Vá lá que não foi na fila da caixa. Cá fora, inspirámos os dois um pouco do vento fresco do cair da tarde. Voltou a cheirar aos cremes com que a untei depois do banho e que me ficam na mãos o resto do dia. Não há cheiro melhor que o de um bebé, excepto em certas e determinadas ocasiões, muito pontuais.

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Temos aqui a criatura mítica grega Ouroboros:
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Na mitologia portuguesa o equivalente é a criatura mítica pescadinha de rabo na boca.pescadinha-de-rabo-na-boca-300x225

 

Vem isto a propósito da discussão sobre se a culpa é dos jovens que não têm valores nenhuns ao contrário de antigamente, ou se a culpa dos jovens não terem valores é dos pais que nunca os tiveram e estão agora nos partidos políticos.

Vamos pensar um pouco.

 

 

Mais um pouco.

 

 

 

 

Eu cá não cheguei a conclusão nenhuma que fosse satisfatória e entretanto a máquina de lavar roupa pôs-se a apitar, desconcentrando-me. Já parou. Lavei peças do meu equipamento de corrida, estavam no fundo do cesto de roupa suja há uma semana, compactadas pelo peso da roupa normal. Está com ameaços de chuva, hoje. É um bom dia para ler à lareira que não tenho, por isso é provável que jogue um pouco de PS3 em vez de ler.

 

 

 

a minha visão do tema das praxes e da tragédia do meco

Não sabia que na Lusófona e noutras universidades privadas de igual gabarito levavam as praxes e a tradição académica tão a sério. Antes, quando via um trajado de uma privada, pensava no meu amigo Tomé que pagava uma centena de euros para que um alentejano, com uma chapa de ferro nas costas, atirasse meia dúzia de perdizes de criação ao ar a 5 metros dos canos da caçadeira e depois postava fotos dele no facebook, de camuflado, cheio de perdizes ensanguentadas à cintura e espingarda ao ombro. Agora, alto lá, afinal na Lusófona é a sério. É bom ver que – contrariamente ao que se diz por aí – nas privadas não facilitam a vida a ninguém. Preparam-nos de forma dedicada para o mundo do trabalho e para uma eventual candidatura aos Navy Seals da marinha americana. Alerto apenas que não se deve exagerar porque de tanto querer preparar para a vida, pode-se morrer nos preparativos, como aconteceu a um senhor da Vidigueira que ia lançar um foguete para anunciar a festa e o foguete aceso entaramela-se-lhe pela camisa adentro a fazer fsshhhhh e toda gente fugiu dele para dentro do café em vez de o ajudar. A não ser que por “preparação para a vida” se entenda o mesmo sentido que os egípcios davam aos rituais fúnebres dos seus faraós em adoração a Rah e Osiris. O que se terá passado naquela madrugada no Meco?

O Dux – cargo que advém de ter o maior número de matrículas – alega amnésia selectiva. Parece-me uma explicação bastante plausível tendo em conta a propensão que alguém que consiga esse recorde na Lusófona deve ter para se esquecer das respostas correctas nos exames e só se lembrar das erradas. Por enquanto, não sabemos o que se passou, pois os estudantes que não participaram nas festividades do fim de semana e que pertencem à comissão de praxes mantêm uma lei do silêncio admirável. Se os comunistas do tempo do Salazar tivessem 1%  da determinação férrea destes jovens, a PIDE não havia de arrancar uma única denúncia.  Porém, a verdade é como o praxado da Lusófona, vem sempre ao de cima. Resta-nos, pois, esperar.

sucesso

Uma das coisas que me reconforta nos períodos mais complicados, em que as nuvens negras e gordas do pessimismo e abatem sobre os meus ombros em trovoadas de recriminações e culpa por não atingir os objetivos pré-determinados, é ver que a vida também não corre lá muito bem a amigos meus e que às vezes, como se isso fosse possível, até lhes corre pior. Não é que lhes deseje mal, de modo nenhum, são amigos. Mas se forem bem sucedidos e felizes uma pessoa deixa de ter tema de conversa ou algo em comum e não faz muito sentido continuarem nossos amigos no sentido prático, passam ao amigo teórico, pessoas a evitar, mas a quem se pode enviar um sms ou dois pelos anos e pelo natal. A não ser que se finja muito bem. Em Torres Vedras, houve o caso do Carlos, o dono da Videoeste onde eu alugava cassetes ao sábado, depois de passear os cães. Andou anos a poupar para comprar uma Renault Espace e isto foi mais ou menos na altura que apareceu o jogo online. Não é que a mulher dele estoirou o dinheiro todo, as poupanças todas, no jogo online? O Carlos só deu por isso quando começou a receber cartas dos bancos. Teve de vender o negócio e durante uns dias as cassetes VHS estavam à venda a preço de aluguer dentro de um cesto grande, de vime, no passeio em frente à Videoeste fechada com cartolina nas montras a dizer “liquidação total”. Quando lá fui, já tinham levado os filmes bons, os novos, inclusive o Braveheart com o Mel Gibson. O raio da mulher do Carlos estava toda sorridente ao pé do cesto, como se a cidade não soubesse tudo.

não vou reler este post.

Toskolo

Um amigo meu de Torres Vedras foi para Newark, EUA, emigrou com os pais e quando o voltámos a ver dois anos depois, vinha mais racista que metade do eleitorado francês. Era “os pretos” para aqui, “os pretos” para acolá, um soco aqui, um pontapé nas costelas mais além. Só falava disso e de como na escola dele até havia um piso específico para os filhos dos emigrantes portugueses e outro para os pretos, para não andarem à pancada constantemente, porque pelos vistos preto e português em Newark era tipo bicarbonato de sódio com vinagre ou Paulinho Santos com João Pinto. Ora bem, tudo é relativo: para o americano branco do liceu privado, aquela escola inteira era de “pretos”. Vem isto a propósito da polémica da saia da assessora do PR que se fez toda ao Cristiano Ronaldo. Eu sei que vinha a propósito, mas francamente, esqueci-me da ligação entre os dois assuntos. Só me resta lamentar que o Falcão não vá ao Mundial.

Granta Funda

O regulamento do concurso da Granta Melhor Jovens Escritores de Língua Portuguesa filtra-me logo neste parágrafo: “podem inscrever-se escritores oriundos dos países de língua oficial portuguesa: Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné–Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste”

Portanto, belgas, rien, moulles aux frites que te lixas. O regulamento também diz que “só são admitidos textos em língua portuguesa”. Isso eu conseguia fazer, até porque dou imensos erros nas outras línguas. E faria, obviamente, o melhor texto do concurso, como vocês sabem. Mas não chega, não tenho os papéis certos, nomeadamente, um BI Português. Sabem aqueles filmes dos judeus em que os nazis estão sempre a pedir-lhe os papéis e se eles fizerem a piada dos Gatos do “O papel? Qual papel?” vão logo encaminhados para a câmara de gás por pastores alemães a ladrar de dentes arreganhados? É assim que eu me sinto. Também não devo poder participar nos concursos belgas que só devem admitir textos escritos em francês. Estou a modos que num limbo. Podia haver um género de check-list e desde que uma pessoa cumprisse 4 de 5 requisitos, já podia ser um melhor escritor de língua portuguesa. Eu até acho que o crivo devia ser apenas a língua do original e gostar de cozido à portuguesa que, nem de propósito, foi o tema do meu post de hoje. Assim estamos a afastar potenciais jovens esquimós que escrevam em português. Quanto serão? Nunca o saberemos. Nunca conheceremos a obra de Toskolo, o jovem esquimó que escreve noite fora sobre ranchos folclóricos e fado, no seu iglu à luz de uma vela que lhe derrete as paredes da casa e deixa entrar rajadas de vento gélido (que por magia não apagam a referida vela), o rosto fustigado por flocos de neve impiedosos, o Toskolo, de olhos castanhos onde congelam lágrimas de emoção que deles brotam quando contemplam a obra de jovens melhores portugueses escritores na revista granta de há dois anos que lhe chegou às mãos pelo quebra gelo russo em troca de peles de foca… Estou contigo, Toskolo.

Mas não é que fique chateado. O prémio é ser um dos melhores jovens escritores de língua portuguesa e ser publicado na Granta. E é só isso. Posso ter lido mal. Li duas vezes o pdf do regulamento para ter a certeza. Dinheiro, zero. Os direitos de autor ficam com a Granta que até reserva uma eventual publicação em inglês, não vá calhar-lhes um Georges R. Martin na rifa. Bolas, até quando uma pessoa abre conta num banco recebe um iPod dos pequenos ou uma torradeira. Não se arranjava uma pen de poucochinhos gigas ou um isqueiro comemorativo com “Melhor Escritor Português Jovem” assim estampado de lado? Estou sempre a perder os meus isqueiros. Admito que o estatuto de ser um dos melhores escritores jovens de língua portuguesa é coisa de valor dentro de certos e determinados meios, mas no supermercado, experimentem dizer “sou um dos melhores jovens escritores de língua portuguesa” à suburbana da caixa que só lê porcarias a ver se ela vos deixa levar dois fardos de fraldas à pala disso. Estou é mal habituado. Até quando fazia vindimas pagavam-me em dinheiro, em notinhas de contos de reis. Havia de ser bonito, o senhor Vítor distribuir o trabalho pela manhã ao pessoal e a dizer que naquele dia a paga era um de nós receber o prémio honorífico do melhor vindimador da zona oeste. Então e qual é o prémio, shô Bítoro? O prémio, diria o senhor Vítor, é esta placa de cortiça que pode servir de base de panelas e que diz “melhor vindimador da zona oeste”.