smoker

Como ex fumador de maço por dia, acho sempre curioso quando não-fumadores discutem sobre fumar, estratégias para se deixar de fumar, o que devia ser feito, o nojo que é, o irracional que é… Lembra-me um pouco as pessoas que nunca tiveram uma depressão e que dizem a um depressivo “devias sair com os amigos,não faz sentido nenhum estares metido na cama com os estores para baixo”. Óbvio, é com as melhores intenções e sei perfeitamente que a Maria sabe que o inferno está cheio delas, mas são tiros ao lado do porta-aviões. Também acho curioso que muitos fumadores apresentem aquela assertividade na suposta escolha de fumar, uma escolha que na realidade não existe, visto ser um vício e um dos mais poderosos. Um dos exemplos são os textos de Miguel Sousa Tavares sobre o tema, um case-study de tentativa de racionalizar o irracional e de um maniqueísmo extremo. Não é raro. Uma vez, um amigo disse-me que o fumo protege os pulmões da poluição dos carros. E não estava a brincar. Também tenho um amigo que se diz não fumador apesar de fumar regularmente um cigarro ou dois à noite em vez de cortar completamente, o que na prática o mantém em privação constante e lhe faz parecer que o cigarro é ainda mais precioso e saboroso que para aquele que fuma 3 maços por dia e odeia 99% dos cigarros. O que o primeiro grupo não sabe é que do ponto de vista de um fumador, o facto de não-fumadores os considerarem personas non-gratas, é um dos maiores bónus que se pode ter ao fumar, visto que personas (cada vez mais) non-gratas tendem a unir-se e a formar uma certa cumplicidade, ainda para mais quando do lado dos anti-tabagistas está um certo espírito persecutório, legislador e ultra-paternalista para com os comportamentos humanos.
Um dos paradoxos que senti na fase da minha independência universitária foi que me identificava mais com as pessoas fumadoras e bebedoras do que com os abstémios e saudáveis. Ainda hoje, a meio de um ciclo de treinos para uma ultra maratona extrema, tendo a confiar e simpatizar mais facilmente num heavy drinker ou num fumador. Ao primeiro “não bebo” ou “nunca fumei”, sinto um travão de autocontrole que me deixa um reflexo de defesa também. Sinto-me melhor num restaurante de fumadores que num de não fumadores. Isto é, evidentemente, irracional, mas prende-se com a sensação de estar num sítio de adultos ou num sítio a fingir. Irracional, eu sei.
Daí até elogiar o acto de fumar, vai uma longa distância e não faço isso. Fumar cria a necessidade que satisfaz – como todos os vícios. É perfeitamente possível e fácil deixar de fumar, mas antes é preciso destruir um a um os mitos e a lavagem cerebral a que nós próprios nos submetemos e ver as coisas pelo que se ganha, logo a começar pelo dinheiro (eu deixei de fumar e ganhei 60 mil euros que era quanto iria gastar até ser extremamente provável um problema de saúde que me obrigasse a deixar, por isso penso sempre que o próximo cigarro me pode custar 60 mil euros, visto que voltaria a ser fumador). O maior problema em deixar de fumar é termos medo de perder parte da nossa identidade, de deixarmos de poder viver momentos que vivíamos. É uma ilusão, mas é um medo, o de nos transformarmos noutra pessoa e perdermos o acesso a momentos e prazeres que tínhamos.

Existe um bom livro sobre o tema, o Quit Smoking, The Easy Way do Allen Carr, que recomendo vivamente a todos os fumadores e não-fumadores também. Deixar de fumar também é uma oportunidade interessante para nos conhecermos melhor.

10 thoughts on “smoker

  1. Aquilo não era um post sobre deixar de fumar, era um post sobre uma coisa que se podia dizer a pessoas antes de elas tocarem no primeiro cigarro sequer, antes da questão do vício se colocar, questão sobre a qual reconhecidamente não sei nada. Mas na verdade para além disso não era bem a sério, era mais uma forma torcida de me queixar de que alguém tinha entrado no metro com um cheiro horrível que me estava a deixar enjoada.

    (também prefiro de longe os bêbados e os fumadores aos saudáveis e abstémios, sempre preferi, e também me sento do lado dos fumadores na minha tasca do costume)(especialmente os saudáveis e abstémios que correm ;))

  2. Lamento muito vir intrometer-me num reino que não é o meu (não o dos fumadores, mas o da matemática), fiz umas contas rápidas e se assumirmos que tens trinta e tal anos, os tais 60 mil euros corresponderiam a mais cerca de 35 anos a fumar o maço por dia que dizes no início que fumavas. Logo, se bem entendi o que escreveste, o facto de deixares de fumar agora, equivale a poupares um problema de saúde quando tiveres cerca de 70 anos. É isso? (se calhar entendi mal, ou, até bastante provável, fiz mal as contas; se for um desses casos, esquece)

    1. Sim. Até pode ser um exagero, se calhar aos 50 anos teria um stress qualquer e nesse caso saía-me mais barato. O ponto é que deixar de fumar é daquelas coisas que nunca parece ser a altura ideal e todos os fumadores ou quase todos acreditam que vão deixar de fumar um dia. Acreditam que um dia vão ter mais vontade de deixar de fumar e mais motivação do que hoje. Costuma ser o contrário e só mesmo um choque como um mau diagnóstico costuma ter força suficiente. Eu quando recomecei depois de parar achei que era mesmo temporário, 15 dias só. Fumei uns 5 ou 6 anos de seguida praticamente e mesmo a 1 mês da maratona de Madrid estava a fumar 1 maço por dia :))

      1. 🙂
        Bom para ti! Eu admiro imenso quem fumava bastante e deixou, sempre achei que era uma daquelas coisas mesmo difíceis de fazer. Assisti a esse processo no meu Pai, que substituiu o vício do tabagismo pelo vício do jogging e das caminhadas 🙂
        (não me lembro muito bem sequer de o ver a fumar, porque eu devia ser mesmo muito bebé, mas depois durante muitos anos lembro-me bem dos sacos de amendoins que ele devorava à noite)

        Essa tua da maratona e do maço por dia também li e achei que deves ter uma capacidade pulmonar enorme para conseguires fumar e ao mesmo tempo treinar!
        Até acho que serias um bom caso de estudo para um projecto que está a decorrer, que é o Projecto MERIIT
        http://meriitproject.weebly.com/

      2. É muito comum nos japoneses, há bastantes maratonistas que fumam até durante as provas. O João Vieira Pinto fumava imenso e era dos jogadores que mais corria. Eu só notei um impacto tremendo de curto prazo na frequência cardíaca, baixei 5 ou 6 por minuto durante o mesmo nível de esforço. Não conseguiria deixar de fumar tão facilmente se não tivesse o incentivo enorme da corrida, mas não é preciso deixar de fumar para correr. Tenho um amigo que não corria porque fumava… e dizia “começo a correr quando deixar de fumar”, só que, obviamente, isso nunca sucedeu 🙂

      3. Sim, acho que também já li um texto teu sobre fumadores-maratonistas. Essa do João Pinto não sabia 🙂

        Eu sobre desporto e fumar, posso dizer que andei no ballet durante 20 anos e sempre fui dessas chatas contra o tabaco (e contra as gorduras, açúcares, etc), tinha um namorado que fumava e fazia questão que o hálto dele era nojento. Mas depois entrei numa faculdade onde 99% das pessoas estavam sempre a esfumaçar, o bar parecia um acampamento de índios, e a verdade é que passei a achar um prazer exótico em fumar um cigarrito após uma boa suadela desportiva. Mas tento não fazer isso, porque intuitivamente acho que não deve fazer nada bem, porque pulmões têm os poros abertos (provavelmente isto é um preconceito errado de quem não percebe nada de ciência nem saúde).

        E claro que isto de fumar e fazer desporto, ou não deixar um e passar-se a fazer do outro um hábito é muito de “cabecinha”, sim. A gente arranja todas as desculpas emotivas e irracionais para dizermos que “ainda não estamos preparados, mas de certeza que um dia estaremos”.

        (obrigada por responderes!, gostei desta “conversa”)

  3. Ah e já agora que iniciei um testamento, perdido por cem perdido por mil.
    Sobre saúde, por acaso há uns anos tive de fazer uns relatórios sobre o Plano Nacional de Acção Ambiente e Saúde (PNAAS) em que tive de ler uma data de documentos comparativos de vários países, e num dos estudos feitos retive uma informação sobre o tabaco que não fazia ideia:
    sobre aquela questão de não fumarmos ao pé de crianças ou pessoas idosas ou doentes, o problema é que está estudado que quando fumamos um cigarro, as partículas nocivas ficam na nossa respiração durante várias horas. Portanto, não é suficiente não fumarmos enquanto estamos na mesma sala ou ao pé deles, porque se fumarmos no trabalho e depois passado oito horas formos para casa e pegarmos no bebé, por exemplo, ou falarmos com ele, as partículas nocivas do tabaco podem passar para ele através da nossa respiração.
    Achei isto incrível.

  4. Adorei, aplaudo e subscrevo. Ainda este Domingo estive a “ouvir” sobre deixar de fumar. Para quê, se não pedi opinião, nem me queixei do mal que faz. Aliás, nem mereço “ouvir” porque tento adaptar-me, fumando menos por uma questão de cortesia, se estou com pessoas que não fumam ou espaços pouco propícios ou confortáveis para fumo. E mais: reconheço que é um hábito terrível e poluente, por isso fumo em paz sem evangelizar ninguém, apontando virtudes ao tabaco. Feliz resumo o seu. Parabéns ao blogue, que só agora conheci, pelo Palmier Encoberto.

  5. Sempre gostei de fumar e continuo a gostar. Deixei de o fazer vai fazer 6 anos e foi das melhores decisoes que tomei na vida. Mesmo continuando a gostar do fumo e sabendo que sentia prazer em fumar. Percebi muito do que era como pessoa quando deixei de fumar e e’ das coisas que me enchem de orgulho ter feito. Foi cold turkey, sem ajudas, sem nada, estive insuportavel no primeiro mes, engordei, mas voltaria a fazer tudo de novo.

    E, como sabes, depois de varias meias maratonas, vou aventurar-me na minha primeira maratona. Bring it on! 🙂

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s