Peça a peça, tento reconstruir a narrativa de uma parte de mim. É como se pegasse num velho diário de adolescência, cheio de ideias idiotas e ingénuas, algumas geniais, outras bastante estúpidas, relacionadas com a escrita. Lembro-me do meu pai ralhar comigo um dia, quando toquei num rebento numa árvore. Disse-me que naquela fase o rebento era tão frágil que qualquer toque podia comprometer o seu crescimento. Talvez seja o mesmo com as ideias para grandes livros. Não vale a pena insistir nos mesmos rituais, é preciso encontrar outros. Nem nos mesmos temas. E penso que um dos muitos erros do passado, um erro frequentemente cometido, foi permitir que a exposição de planos e ideias, por genuíno entusiasmo, acabasse por minar a minha confiança, pois não via reflectida nos outros a plenitude do que tinha na mente, o que é sempre o caso, é inevitável. E por outro lado, ocorria um esvaziar da minha própria necessidade de contar a história a mim próprio pela escrita, como se fossem spoilers. Uma visão boa é nossa. Gostei da resposta do Gene Wolfe numa entrevista, talvez uma resposta banal entre os escritores, mas no caso dele (vou no fim do 2º volume do Book of The New Sun) tem uma dimensão especialmente significativa devido à fabulosa imaginação que ele demonstra: escrevo o livro que eu próprio gostaria mais de ler. Depois, há a dimensão da coisa. Lobo Antunes disse que só começava a escrever uma obra quando tinha a certeza de não conseguir escrevê-la. Talvez explique porque não conseguimos lê-la. Eh eh. Mas agora a sério.