hostilidade

A generalidade das pessoas considera-me incapaz de me zangar (o que, naturalmente, é falso, quem comigo privou tempo suficiente ou leitores dos meus blogues sabem que tenho feitio). Mas é verdade que a minha introversão me torna naquela tipo de pessoa que geralmente não protesta, simplesmente age (como nunca mais meter os pés num restaurante, redigir uma reclamação) Mas desde que fui pai, dou comigo com uma impetuosidade estranha. Desde os taxistas ou condutores a quem por vezes peço explicações devido a uma ou outra manobra absurda que me fazem, especialmente um que desejei que saísse do taxi e lhe bati no vidro a convidá-lo a tal, a situações corriqueiras como a ser mal atendido. Por exemplo no Porto, recentemente, em trabalho, chegado de alfa, o taxista stressou comigo porque eu não tinha mala e a pessoa atrás de mim tinha e foi o colega que ficou com esse serviço e patati e patatá. A minha resposta imediata foi “oiça, estou a trabalhar, fiz 300km, vou ter uma reunião e fazer mais 300km para baixo chegar à uma a casa, não tenho paciência, encoste e chame um colega” e ele desdobrou-se em desculpas e explicou-se, pediu para não levar mal etc. Espantou-me a mudança de atitude só porque eu fiquei fodido com ele. Normalmente sou bem educado e calo ou ignoro. Ainda hoje nos frangos do costume a senhora não me atendeu com bons modos, demorou a cortar frango para uma encomenda, depois atendeu o telefone.. eu era o único na loja. O único. E ela lenta, molenga. Não é à toa que aquele sítio não tem fila e o outro ao lado tem uma mega fila. Fui lá para evitar a fila enorme do outro ao lado! E nisto, depois do telefone ela continua calma e lentamente a cortar frango para encher caixas e caixas de encomendas para pessoas que não estavam ali à frente dela… disse-lhe “olhe, deixe lá”, fui-me embora, decidido a nunca mais lá por os pés. Quando virei costas ela “VOU ATENDÊ-LO” e desatou a atender-me de uma forma que nunca lhe tinha visto. Chip chip chip faziam aquelas tesouras de cortar frango. Foda-se, custava muito? Antes disso, no metro, um grupo de adolescentes (por acaso turistas espanhóis) começam na palhaçada. Não tenho o hábito de ir de metro, mas estou severamente lesionado, com um entorse e as pernas lixadas de ter exagerado no fds, não consigo voltar de bicicleta a subir. Um dos teens imbecis, filhos de turistas, espanhóis, dá um encontrão na minha bicicleta, estão naquelas brincadeiras de calduços uns com os outros. Passado uma estação o mesmo tipo encosta-se contra o guiador da minha bicicleta. É o tipo de situação em que sei que não está a fazer por mal, é apenas espanhol e um adolescente, portanto, duplamente imbecil. Mas agarrei-lhe no ombro e gritei-lhe em inglês brusco “hey watch the bike!” Veio a mãe, ralhar com ele, pedir-me desculpa e traduzir ao gordo o que eu tinha dito. Fiquei com uma clareira de 1m à minha volta depois disso. Eu sei, eu sei, 95% dos meus leitores teriam feito isto, mas para mim isto era impensável. Teria apenas escrito um post a dizer que os espanhóis são espanhóis. No metro este ano – desde que fui pai – até a um segurança eu pedi explicações porque foi agressivo na forma como gesticulou para mim (a porta larga não abria e ele em vez e me pedir para recuar para ele passar fez um gesto autoritário de filho da puta com a mão, impaciente, irritado) E não é que o tipo se encolheu? Podia citar muitos mais casos.

E eu penso que raio de mundo é este? Em nenhuma circunstância eu fui inicialmente mau ou agressivo ou descuidado. Não sou de chegar a um sítio e ter maus modos, estar exasperado ou impaciente. Mas parece que a minha tolerância a essas coisas se esfumou e fiquei impaciente. Não consigo descolar isso de ser pai. É como se algures uma hormona qualquer tivesse accionado um alarme de “kill kill kill” em caso de ameaça, nem que seja a comprar o raio de um frango. Tornei-me hostil à hostilidade ou não-cooperação, talvez porque veja nela uma ameaça a um mundo que desejo para a minha filha, isto é, 100% seguro, em que 100% das pessoas se preocupam com o seu semelhante e não têm agressividade.

(só para completar, talvez não seja isso, porque também desbloqueei coisas melhores, meto conversa mais facilmente com o tipo das castanhas, o segurança, o das flores, velhotas na rua, estou-me nas tintas e acho o mundo um local globalmente muito bonito)

e dentro de uns anos, outros comunicados

Se fazem avisos destes a propósito de dias frescos e solarengos, só me resta adivinhar que daqui por uns anos os avisos da protecção civil se vão expandir para outras áreas de actuação. Aqui um exemplo de comunicado para um alerta laranja antes do Natal:

Em virtude da proximidade da data festiva vulgarmente conhecida como “Natal”, a Protecção Civil prevê uma grande afluência de portugueses às grandes superfícies comerciais. Como tal, recomendam-se as seguintes medidas:

– Reduzir a frequência de grandes superfícies ao mínimo. Se possível, faça prendas caseiras  (trabalhos manuais, bolos e bolachas, tricot, desenhos, poemas) ou considere desiludir um  familiar ou amigo mais dispensável.

– No caso de ter impreterivelmente de fazer compras de Natal, vista roupa larga e confortável, calçado desportivo e hidrate-se. Opte por prendas de menor dimensão e peso, independentemente do montante que está disposto a gastar e opte por adquirir tudo na mesma loja (ex: numa tabacaria pode adquirir desde porta chaves com animais de pelúcia de diversas espécies ou divertidas canecas com dizeres espirituosos até prendas mais luxuosas como um zippo)

– Evitar a ingestão de café ou estimulantes que possam aumentar a ansiedade. Fale com o seu clínico de família. Recomenda-se a toma calmantes naturais como a camomila. No caso de ser fumador preveja se a grande superfície tem espaços para fumador.

– Não levar filhos menores grandes superfícies. Deixar os mesmos na creche, em casa de avós, amigos ou pessoas que aceitem dinheiro para tomar conta deles.

– Evitar qualquer contacto com pais que estejam em negociação com os filhos menores de idade. Os sinais de que está a decorrer uma negociação envolvem uma criança deitada no chão da grande superfície a bater com os punhos e os pés no mesmo chão em prantos audíveis e pais que se afastam no meio da multidão e discutem argumentos entre eles. Evite comentários reprovadores às competências parentais dos progenitores.

– Evite a ingestão de álcool pois o álcool dá uma falsa sensação de euforia que pode ter maus resultados em compras a crédito.

e esta?

É muito mau quando ando aqui a dizer que sou liberal e o deputado que melhor representa as minhas ideias alguns assuntos, especialmente a questão da dívida, é uma jovem deputada, a Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, que já na comissão de inquérito do caso BES se tinha destacado pela boa preparação (é natural nesta malta, espremer um banqueiro deve ser uma fantasia de toda a pessoa de esquerda). Vale a pena ler entrevista.
marianamortagua1

não há fome que não dê em fartura

Antes dizia “não” a cada pedido de beijoca e era muito comum ser esbofeteado se tentasse aproximar a cara quando não estava para aí virada (refiro-me à minha filha). Mas dava beijocas aos peluches, de quem eu tinha ciúmes. Sabemos que batemos no fundo quando temos ciúmes do Coelho Fofinho. Algo mudou nos últimos tempos. Hoje até me vi na inesperada situação de ter de lhe dizer “ok, agora chega!” porque não lhe conseguia ajeitar a roupa com tantos abracinhos e tive de literalmente passar um babete limpo pela minha bochecha viscosa. Toma, Coelho Fofinho, nhanhannha … É uma fase, já se percebeu que ela funciona por ciclos. Algures no futuro, vem uma média normal em que o rácio de beijinhos por hora se torna aceitável e funcional, não interferindo na logística delicada das manhãs. Mais no futuro, vou ter saudades desta fase beijoqueira. De outras não vou ter saudades nenhumas, como a da berraria desalmada de cada vez que a deitávamos para mudar a fralda!

liberal eu?

Recomendo este artigo de opinião de João Marques de Almeida do Observador sobre Liberalismo, essa palavra que em Portugal equivale sensivelmente a filho da puta. Andei há dias para escrever um texto sobre este tópico. Também sou liberal, mas devo dizer que sou mais coisas. O meu liberalismo vem muito por oposição à mentalidade vigente em Portugal, da esquerda à direita (que é tudo menos liberal, meus amigos, sejamos sérios). Eu olho para os partidos e para as pessoas e os seus discursos e o que vejo são papagaios. Ver 98% dos comentários dos portugueses sobre economia e é como ver opiniões sobre se Jorge Jesus devia meter o Nelson Oliveira a jogar em vez de o emprestar nos comentários da Bola.

Contudo, não me identifico com os liberais (grande novidade) e ando sempre às turras com os poucos que conheço, sobre discussões como a do salário mínimo. Eu penso que o liberalismo deve ser o ponto de partida racional para o resto, ou seja, perceber onde abdicamos do liberalismo para intervir, regular, redistribuir, mesmo que à custa do racional ou das liberdades individuais, oprimindo, traçando linhas, como a do salário mínimo, do RSI, da educação pública, da saúde pública, da regulação… É preciso ter noção das coisas, dos custos, mas assumir sempre escolhas morais e éticas que de facto são subjectivas. Contudo, essas escolhas morais devem ser sufragadas pelo eleitorado e deve haver liberdade para as discutir. É mais ou menos isso que penso, ficam a saber, espero que tenha sido elucidativo.

no entretanto

Tenho-me deleitado a ler a foundation trilogy do asimov. Que rico baile. Não lhe chamaria “literatura”, a sensação que tenho a maior parte das vezes é a de ler exercícios de equilíbrios de Naish ou livros do Henry Kissinger. Não é para pessoal que curta poesia, se é que me entendem, mas sim para pessoas que tenham jogado ao Civilizations, Sim City e quejandos, em PC e consola.
asimov

submissão

Houellebecq, um novo livro. Não li o Soumission (que sai em Janeiro) mas é de longe o meu autor contemporâneo preferido, desde que li o A Extensão do Domínio da Luta (2006). A diferença para qualquer outro autor vivo que tenho lido é abissal. Vem na linha do meu preferido franciu, o Céline. Obviamente, tendo em conta o tema (e os temas anteriores), segue-se o ladrar pavloviano dos pseudo coiso.

Houellebecq foi então processado por insultar os muçulmanos e por incitar ao ódio racial, mas acabou absolvido. O escritor afirmou em tribunal que não desprezava os muçulmanos, mas apenas a sua religião, porque, argumentou, tal como o cristianismo e o judaísmo, se baseia em “textos de ódio”. No entanto, na entrevista à Lire, distinguiu a “beleza” da Bíblia, defendendo que “o imenso talento literário dos judeus” os tornava merecedores de que muito lhes fosse perdoado.

Como não gostar deste filho da mãe?