não saber cozinhar

No domingo de manhã a caminho de um treino em Sintra pelo IC19 oiço o Júlio MAchado Vaz na Antena 1, à conversa com aquela outra que quase nunca acerta uma réplica e percebe tudo mal, mas tem uma voz agradável e um riso simpático.

Bem, conversa para ali, para acolá e o Júlio Machado Vaz confessa que nem um ovo sabe estrelar, pelo meio de risos. E eu confesso que fico pasmado sempre que dou com um espécime masculino (ou feminino) que confessa por entre risos que não sabe nem fritar um ovo.

Depois de ponderar a complexa logística que deve ser a vida de uma pessoa que nunca fritou um ovo  e não sabe confeccionar um só prato, penso na coisa freudiana. Este homem precisa de uma mulher que o alimente e por isso verá nela uma mãe. Nunca passará de um bebé numa coisa elementar da sobrevivência e assim é a cultura latina. Não foram dois nem três os inaptos na cozinha que me confessaram também que preferem não saber para não terem de fazer.

Continuando nos territórios dos psis, sou capaz de admitir que não saber cozinhar bem não implica ser-se um homem incompleto, mas com reservas, porque sendo o paladar, o olfacto, a vista, o tacto (texturas) sentidos e sendo o próprio acto em si de dedicar tempo a preparar algo um acto de amor  (começam na cozinha, os preliminares), o homem que não sabe cozinhar algo bem é assim uma espécie de castrado. E isto num suposto especialista que também sempre mandou ares de galã, é algo que não acho que fique bem. Deve admitir que não sabe cozinhar nada, mas com pesar, com vergonha.

O Pátio das Cantigas, é bom?

É bom, já foram ver? Refiro-me ao novo, não ao velho. Pelo cartaz parece ser bastante animado e divertido.

patio

Já me estou a rir só da cara do Miguel Guilherme! Que grande maluco.

Já sei que deve haver por aí muito intelectual ressabiado que pensa “nem que me pagassem” quando vê o cartaz ou ouve no rádio alguém apresentar o filme como  “um clássico adaptado aos tempos modernos, com temas contemporâneos”.

É verdade que o tempo passa e às vezes os filmes não é como os computadores ou telemóveis, não ficam todos sempre melhores, mas quando há um remake, é uma oportunidade de corrigir e aperfeiçoar o que não ficou bem à primeira, como por exemplo, ter sido a preto e branco. Qualquer pessoa com uma máquina digital pode verificar isso mudando uma fotografia de cor para preto e branco ou vice-versa e ver o efeito que tem. Aquilo que se perde em artístico por estar a preto e branco ganha-se em qualidade. Porque não dar o benefício da dúvida por uma vez e ir ver o filme? O César Mourão é um comediante excelente, por exemplo, e muito incompreendido pelas pessoas que não lhe acham graça.

A apresentação foi ontem no CCB e esteve casa cheia. Não me digam que foi porque havia convites e ninguém pagou ou porque havia croquete e martini. Os actores chegaram de tuque tuque, numa alusão subtil ao tema popular do filme e à Lisboa genuína de que todos tanto gostamos.

tuktuk

Foi muito bem pensado, porque o povo da cidade acarinha os Tuque Tuques dos carteiros dos CTT e eles ocupam um lugar especial no coração de várias gerações.

Também acho positivo os cineastas divulgarem marcas portuguesas que são pouco acarinhadas e conhecidas do grande público, como os CTT, Sagres e NOS, embora o façam de forma ainda assim discreta e subtil, bem enquadrada nas exigências estéticas e formais da sétima arte.

Deviam desinibir-se mais. Para quando o remake o Carteiro dos CTT de Pablo Neruda? Ou um filme de terror Chamada Para a Morte  Com Tráfego Ilimitado para todas as redes só na NOS?

consciência

Sou calmo, mas sou uma pessoa que às vezes se irrita no trânsito com coisas e de bicicleta então, já tive algumas interacções pouco amistosas. Já tive umas namoradas que eram particularmente descontraídas, estava sempre tudo bem: “não é preciso ficares assim, ele é só um estúpido“.  Pois olhem, eu não sou descontraído. E a descontracção nessas circunstâncias enerva-me mais. É como se para além de exercerem sobre mim a violência de uma manobra perigosa, me fosse negado o direito de me irritar com isso.
g5

Eu admito a existência de sentimentos agressivos e amplamente contrários ao que a minha consciência me dita como sendo correcto e incorrecto, para podermos viver todos em paz uns com os outros. E existe uma diferença vasta entre o desejo e a concretização. Admito uma série de situações, nem por isso excepcionais, em que apenas a logística, a penalização legal e decorrente transtorno para a minha vida e para os meus, me colocaria um entrave a exercer violência punitiva num contexto de caçada organizada a pessoas.

g4

Alguns horrorizam-se com os próprios pensamentos deste género quando estes são verbalizados à luz do dia.”Não digas isso, é uma pessoa” ou fazem sempre o disclaimer de “a violência é sempre errada, mas neste caso” e segue-se uma excepção, um desabafo. Isso não atenua o desejo de que aquela pessoa tenha uma morte violenta, se possível, precedida de dor e muito medo. E isto varia consoante as sensibilidades, que chegam a ser tão superficiais como as políticas – veja-se o que sucedeu quando o terrorista de topo responsável pela morte de 3000 civis num atentado terrorista foi finalmente abatido.

g3

Não se trata de certo ou errado, trata-se de reconhecer o instinto que existe e o próprio eixo moral e ético e respeitá-lo e até defendê-lo em certos casos. Trata-se de reconhecer atenuantes e que as leis não são perfeitas. Há uma certa hipocrisia em assumir como excepções legais contextos como o das guerras ou de interacções entre forças de segurança e criminosos, pois isso significa que nós (civis) somos  o elo fraco, seja no confronto com a lei – que tem sempre a primazia no uso de força para nos oprimir – seja no confronto com criminosos ou seres violentos que antecipam o exercer dessa opressão sobre nós, os mais fracos, por exemplo, carregando uma arma no dia a dia.

Soldados, agentes da lei, polícias, rebeldes, civis, são seres humanos com livre arbítrio e com consciência. Ninguém é melhor, nem pior. Mas a violência exercida sobre os fracos, sobre os não-agressivos, sobre os indefesos, é o pior crime, especialmente quando exercida a frio, sem qualquer explicação que não o prazer dessa mesma violência e opressão.

g2

Não é o uniforme ou o regulamento ou termos como “dano colateral” que conseguem  mudar o carácter da violência de mau para bom ou justo ou legítimo. A violência é o que é, um aspecto intrínseco à existência. Com certas forças da lei, como alguma polícia americana, é mesmo o carácter extremamente “procedimental” que gera o limbo em que se exerce a violência visceral e racista, por intermédio das metáforas do “you are resisting arrest” ou “i am authorised to use lethal force”.

É como se as próprias leis criassem um limbo ético onde o homem pode exercer as suas fantasias mais negras, chegando aos extremos não só do Holocausto, mas da microrealidade de um momento num qualquer campo de concentração, entre um guarda nazi e um judeu. O meu ponto não é apresentar uma solução para o problema global da justiça, da violência, da opressão, da defesa dos mais fracos, valha-me Deus. Sei que não sou humilde, mas não me atrevo a tanto.  Mas se não consigo resolver um problema tão complexo, sei como devia ser resolvido um ou outro problema simples e não escondo que teria genuíno prazer nisso ou que abriria uma garrafa de champanhe se alguém fizesse o favor ao mundo.

g1

citação infame

The Infamous Nietzsche Quote (Nietzsche was stupid and abnormal) é coisa de internet. A passagem original.

tolstoi

«There would seem to be only one question for philosophy to resolve: what must I do? Despite being combined with an enormous amount of unnecessary confusion, answers to the question have at any rate been given within the philosophical tradition of the Christian nations. For example, in Kant’s Critique of Practical Reason, or in Spinoza, Schopenhauer and especially Rousseau. But in more recent times, since Hegel’s assertion that all that exists is reasonable, the question of what one must do has been pushed to the background and philosophy has directed its whole attention to the investigation of things as they are, and to fitting them into a prearranged theory. This was the first step backwards. The second step, degrading human thought yet further, was the acceptance of the struggle for existence as a basic law, simply because that struggle can be observed among animals and plants. According to this theory the destruction of the weakest is a law which should not be opposed. And finally, the third step was taken when the childish originality of Nietzche’s half-crazed thought, presenting nothing complete or coherent, but only various drafts of immoral and completely unsubstantiated ideas, was accepted by the leading figures as the final word in philosophical science. In reply to the question: what must we do? the answer is now put straightforwardly as: live as you like, without paying attention to the lives of others.

If anyone doubted that the Christian world of today has reached a frightful state of torpor and brutalization (not forgetting the recent crimes committed in the Boers and in China, which were defended by the clergy and acclaimed as heroic feats by all the world powers), the extraordinary success of Nietzche’s works is enough to provide irrefutable proof of this. Some disjointed writings, striving after effect in a most sordid manner, appear, written by a daring, but limited and abnormal German, suffering from power mania. Neither in talent nor in their basic argument do these writings justify public attention. In the days of Kant, Leibniz or Hume, or even fifty years ago, such writings would not only have received no attention, but they would not even have appeared. But today all the so-called educated people are praising the ravings of Mr N, arguing about him, elucidating him, and countless copies of his works are printed in all languages.

Turgenev made the witty remark that there are inverse platitudes, which are frequently employed by people lacking in talent who wish to attract attention to themselves. Everyone knows, for instance, that water is wet, and someone suddenly says, very seriously, that water is dry, not that ice is, but that water is dry, and the conviction with which this is stated attracts attention.

Similarly, the whole world knows that virtue consists in the subjugation of one’s passions, or in self-renunciation. It is not just the Christian world, against whom Nietzsche howls, that knows this, but it is an eternal supreme law towards which all humanity has developed, including Brahmanism, Buddhism, Confucianism and the ancient Persian religion. And suddenly a man appears who declares that he is convinced that self-renunciation, meekness, submissiveness and love are all vices that destroy humanity (he has in mind Christianity, ignoring all the other religions). One can understand why such a declaration baffled people at first. But after giving it a little thought and failing to find any proof of the strange propositions, any rational person ought to throw the books aside and wonder if there is any kind of rubbish that would not find a publisher today. But this has not happened with Nietzsche’s books.

The majority of pseudo-enlightened people seriously look into the theory of the superman, and acknowledge its author to be a great philosopher, a descendant of Descartes, Leibniz and Kant. And all this has come about because the majority of the pseudo-enlightened men of today object to any reminder of virtue, or to its chief premise: self-renunciation and love – virtues that restrain and condemn the animal side of their life. They gladly welcome a doctrine, however incoherently and disjointedly expressed, of egotism and cruelty, sanctioning the ideas of personal happiness and superiority over the lives of others, by which they live. Tolstói

Até ao dia do acidente, apesar de avisos de amigos e família, Sara continuou  a trepar a árvores para ler, porque cadeiras e praia eram “demasiado mainstream”.

hip

A Maldição dos Patinhos II – Vazio mortal

Não sei onde quer chegar o Baby tv com certas canções, mas esta que vi há momentos com a minha filha bate tudo. Na imagem, uma mãe pata e os cinco patinhos a passear.

Cinco patinhos foram um dia passear
No bonito vale de encantar
A mãe pata disse ” Quack, quack “
E apenas quatro patinhos voltaram para casa

E isto continua pacientemente, 3 patinhos, 2 patinhos, 1 patinho, até não sobrar pato nenhum e a Mãe Pata chegar a casa (um lago) sozinha.

Estava para mudar de canal para vermos um filme de terror para adultos e que ela não entendesse quando de repente aparecem os 5 patinhos. O último verso é “e os cinco patinhos voltaram para casa”. Acabou bem, mas deixou-me inquieto. Onde estiveram? Foram raptados? Porque desapareciam quando a mãe fazia quack quack? Era um sinal aos raptores? É suspeito. A mãe pareceu tranquila demais à medida que ia perdendo filhos pelo caminho. Nem parou, foi mesmo uma atitude de “olha que bom, menos um, estou com uma dor de cabeça que não os posso ver”.