Agora é a história do refugiado sírio que vendia canetas no líbano para sustentar a família, o norueguês branco vê, tem pena, tira foto dele com menina ao colo , crowdfounding, pimba, 40 mil euros, foto do norueguês com o sírio, história com final feliz .
Ok, mas há mais de 3 milhões de refugiados Sírios.
Se vamos, como no caso do doente com hepatite e o medicamento de xis mil euros, fazer o final das histórias depender da capacidade de empatia mediática (o artigo do observador bem realça a importância da foto embora com uma postura ingénua e acrítica, bem reveladora), então vamos criar uma selecção com base nisto, uma vez que nem nós vamos ter espaço na cabeça e no facebook, nem os jornais vão ter espaço para 3 milhões de histórias individuais com final feliz.
Tem graça, o liberal sou eu nesta história, mas até eu fico um pouco preocupado com o rumo das coisas. Mas, e se for mesmo assim? O crowdfunding (outra tentativa patética foi o caso grego, o crowdfounding para pagar a dívida ao BCE, lá está, foi inglês que teve pena do grego e o marketizou nos social media) pode ser uma solução?
Por enquanto parece ser para apagar fogachos pontuais e permitir aquele “ohhhh”. É como se fosse “toma lá 10 euros para eu sentir que salvei 3 milhões de refugiados”. Não me interpretem mal, eu acho que as pessoas fazem bem em ajudar, mas ao 4º ou 5º pai com uma filha ao colo, a coisa já nem aparece nos media. Talvez tenha sido sempre assim. O certo é que talvez as pessoas confiem mais num norueguês que tira uma selfie ao lado da família em concreto e na transparência do mecanismo do crowdfunding do que propriamente numa ONG, Unicef, Ami etc. em que suspeitamos que 90% dos donativos são para pagar vencimentos de pessoas da ong.
Quando digo que acho que devíamos apenas pagar impostos para segurança e leis que impeçam um forte de oprimir um fraco (no fundo, a um pequeno passo apenas da anarquia), dizem-me:
“eu não me importo de pagar impostos para pagar a educação ou a saúde de quem não pode”
Precisamente, precisamente, eu também não. Então porque raio assumimos que se não fosse obrigatório como agora é, haveria problema? Ou estamos só a falar da boca para fora? Talvez a observação fosse: “porque assim só eu ou uma minoria que é pagávamos” ou algo do género, um “os outros também têm de pagar”. Cá está, a opressão. Cada homem é uma ilha, acha que só ele é que é boa pessoa, os outros só pagam impostos porque são obrigados. Mas porquê? Quantos portugueses existirão que acham errado dar um pouco a quem necessita e acham terrível que se gastem milhões para encher de areia a caparica todos os anos?
E se parece simples na educação ou saúde, mas depois começa a confusão com o “mas que tipo de educação? Quantos professores por aluno? Que tipo de saúde? Qual a dimensão das listas de espera para uma operação à coluna? E ao fígado?” etc. E voltamos ao sírio. Que sírios? E que montante? E quem? O dilema do norueguês da selfie com o Abdulah sírio vs uma coisa tipo ONU é exactamente aquilo a que me refiro. As pessoas fazem escolhas entre duas formas de, teoricamente, ajudar a resolver o mesmo problema.
Duvido muito, duvido muito, que esta minha utopia algum dia avance. Qual utopia? Não sei, não me chateiem. Mas pelo menos eliminava boa parte da hipocrisia e da ineficiência de termos um intermediário em muitas merdas, o estado, que gere recursos que não são dele e que podem explicar que o dinheiro que se gastou com o BPN (e que a julgar pela vox populi todos acham que foi um erro colossal excepto aqueles a quem o dinheiro lhes desapareceria das contas pelas ramificações que estas merdas têm como se vê com os “lesados do BES”) dava para alimentar e abrigar uma quantidade de sírios amplamente mais significativa que o crowdfunding às mijinhas e ainda sobrar para o orçamento de cultura.
O certo é que nós estamos insatisfeitos. Pagámos o estádio de Leiria ou a RTP ou os salários dos juízes do tribunal constitucional, o BPN, um calote grego e as renováveis. Se me propuserem um sistema em que os recursos que eu produzo não são esbanjados em merdas com que não concordo, e em que vocês podem gastar onde quiserem, abre-se aqui um amplo espaço para sobrarem recursos para eu e milhões de pessoas ajudarem pobres e oprimidos ou coisas que eu e os simpáticos cidadãos, prefiramos. E assim, o dinheiro acaba por reflectir as preferências éticas, ideológicas etc., o que lhe queiram chamar, sem partidos pelo meio, mas sim pessoas que são escolhidas.
Podem dizer: “o estado é pago para gerir esse dinheiro”. Bom, estou consciente da utopia de tudo isto, mas a questão de princípio, acredito nela até ver uma melhor. As eleições são muito pouco um nomear do gestor competente do meu, dos nossos recursos (falemos em recursos, dinheiro é uma tradução dos recursos). Isto é bem óbvio na péssima reputação dos políticos um pouco por todo o mundo: são considerados corruptos, incapazes, estúpidos, incultos, mal preparados… no fundo são bons profissionais na profissão de ser político e serem postos no topo de listas. É nisto que são bons e chegam a ser tão bons e tão focados nisto que às tantas priorizam isso vs vencer as eleições de facto ou ter popularidade e aprovação.
E isto resulta na abstenção enorme, na falta de entusiasmo eleitoral e no facto dos dois partidos menos maus (três contando com o CDS) serem mais ou menos iguais, sobrando à extrema esquerda o ónus de reforçar o extremo destas merdas negativas que vos expliquei aqui, tão bem devo dizer, e cuja existência e ideias, em 2015, é motivo mais do que suficiente para votar no PS, no PSD ou ou CDS, nem que seja para evitar a trapalhada amplamente ineficiente e redundante a que assistimos na Grécia até o Syriza se ter transformado num PS ou algo do género mais normal, tolerável e tolerante.
Adeus.
Temos uma diferença conceptual de base – e não vale a pena debulhar o resto, porque o resto “é derivado à” tal base. Tu escreves: “Mas pelo menos eliminava boa parte da hipocrisia e da ineficiência de termos um intermediário em muitas merdas, o estado, que gere recursos que não são dele”. Percebes bem a quantidade de material para discussão que esta simples frase tem, calculo. Vamos por ordem:
– “eliminava” – há certezas?
– “hipocrisia” – esta escapa-me
– “ineficiência” – outro conceito discutível, se pegamos nele pela óptica do Georges Bataille
– “intermediário em muitas merdas, o estado” – e é aqui que a tua variante de liberalismo me enche de urticária. O que é o estado, rapaz? A pergunta não é simples; não estou à espera de resposta imediata nem de witty one-liners. Pelo contrário, acho que é uma área importante para reflexão. Continuo a pensar no estado como um mecanismo de base “tendencialmente voluntária” pelo qual as pessoas se associam para disporem colectivamente de serviços, recursos e instrumentos que não poderiam ou teriam dificuldade em obter individualmente. Ou seja: somos nós. Não são “eles”. Não estou a dizer que o sistema é perfeito. Mas, teoricamente, na nossa democracia, deveríamos ser “nós” a agrupar-nos em partidos políticos e “nós” quem define a dimensão e as áreas de actuação do estado. Ou seja: não será “do estado” a culpa de o estado ser “maior” do que tu querias que fosse. O discurso político tem deixado marcas fortes: são décadas, já, de “se corre bem foi o governo; se corre mal foi o estado”. Mas a antropomorfização do estado não faz sentido.
– “gere recursos que não dele” – e lá está a antropomorfização – e umas lascas de disparate. Parece-me que vais pela linha de ‘o estado rouba-nos, com os impostos’, como se não houvesse um acordo tácito entre as condições de eleitor e de contribuinte. Bolas: o “fisco” somos nós. Somos nós que elegemos os governantes que determinam a carga fiscal e nada impede (teoricamente, relembro) que tentemos ser um desses governantes. Os recurso do estado não são do estado, dizes. E os das empresas? Ou verias um mercado sem crédito em que as empresas só utilizariam capitais próprios? DIr-me-ás “ah! mas os accionistas!, e se a empresa não paga o crédito vai à falência”. Claro. Da mesma forma que, no estado, se pode chegar à conclusão (como tem sido o caso, ainda que com muita pouca discussão e transparência) que alguns dos serviços prestados estão ‘falidos’ e se procede à sua venda/privatização – que é um pouco como devolver a casa ao banco.
Dito isto, acho excelente que penses e exponhas formas de procurar mudar algumas coisas. Por exemplo: não me incomodaria nada que houvesse “pacotes de tributação” tipo tv cabo: tu, por exemplo, ‘compravas’ o pacote mínimo, que só contribuiria para (cito) “segurança e leis que impeçam um forte de oprimir um fraco” – e ficarias sem direito a outros serviços públicos (ou poderias adquiri-los a preços de mercado, talvez… talvez, ainda tenho que pensar nisso). Gente parva da esquerdalha, como eu, poderia comprar o pacote máximo em que, mesmo não tendo filhos, contribuiria para a escola pública gratuita, para a saúde gratuita – gratuita e extensível a todos os que não tivessem condições para pagar. Não vês que, no fundo, o teu “liberalismo” cerceia a liberdade de as pessoas se organizarem num estado social?
hã? desculpa, só essa coisa final que, lá está…, “ente parva da esquerdalha, como eu, poderia comprar o pacote máximo em que, mesmo não tendo filhos, contribuiria para a escola pública gratuita, para a saúde gratuita – gratuita “… eu abordo directamente isto e explicitamente no meu texto dizendo que eu também contribuiria e falo nesta ideia da desconfiança. Tu pensas que tens uma superioridade moral por pensares assim e que tu escolherias esse pacote muito altruisticamente. De novo, se o escolhias, para quê obrigarem-te? Porquê assumir qu eeu não contribuiria para a saúde ou educação dos outros? Não me importava de contribuir muito mais para educação e investigação se não pagasse 4 euros por mês para a RTP ou os salários do metro de lisboa ou o bpn. O meu ponto é este. Tu não o entendes. Já existem estruturas cooperativas e mutualistas. Podem perfeitamente criar um seguro de saúde mutualista por exemplo, ou uma cooperativa de educação com sócios etc. Dsde quando é que o meu liberalismo impede o teu sistema? Estás a ser desonesto na discussão. No meu sistema, se tu quiseres e a “esquerdalha” (nem usei esse termo) que até pode ser mais de metade da população quiser unir-se em cooperativas ou mutualistas, podem ter e aplicar os princípios que querem. Isso já existe, uma pessoa pode escolher estudar numa privada ou ter um seguro privado e os custos “em educação” são deduzidos nos impostos. O que é o “estado social”? lol.
O “gente parva da esquerdalha” foi uma piadola. Não há qualquer laivo de superioridade moral no que escrevi: não penso que seja “mais digno” pagar impostos compulsoriamente do que voluntariamente – daí, precisamente, a ideia, talvez boçal e mal trabalhada, de se optar por diferentes regimes de tributação.
Eu creio que entendo o teu ponto. Vamos ver se entendes o meu: aquilo que tu gostarias de atingir pelo “liberalismo” – e acho que concordarás comigo que é uma espécie de “fim da política” – eu gostaria de atingir pela reaproximação dos cidadãos à política. Pelo menos por enquanto, a médio prazo. A tua utopia universalista também a mim me agrada; só não sei ainda – porque ainda não consegui pensar o processo – com que contornos. Mas aquilo que tu criticas no actual sistema, e criticas com alguma justiça, pode ser resolvido pelo sistema se as pessoas assim o entenderem. Talvez a frase parecesse menos “wishful thinking” no condicional, concedo.
E não sei se percebeste o aspecto final do meu ponto: o liberalismo, como me parece que o defendes, implica condicionar ou proibir outras formas de organização sociopolítica. Não te amofines: acontece o mesmo com qualquer ‘revolução’, por mais libertária que seja. Virando o bico ao prego: pareces pensar que há uma superioridade moral nas infindáveis “liberdades individuais” do liberalismo – mas a instituição e um tal sistema cercearia, pelo menos, a liberdade de ceder alguma liberdade individual em favor de um projecto social. Estou em crer…
O gerir recursos que não são deles é objectivo. É o motivo pelo qual os polítcos eleitos por ciclos de 4-5 anos não têm qualquer desincentivo a enchafurdalharem uma camara municipal, uma empresa pública ou um país de dívidas que depois os cidadãos dizem que a dívida não é deles vês na grécia o syriza e o “a dívida é ilegal”, vês isso bem patente no discurso da esquerda que diz “a dívida não é nossa”. E talvez não seja em parte, porque o gap entre o cidadão e o destino dos seus impostos é de tal forma abstracto e vago que ele não assume a titularidade de uma dívida quando a coisa estoira pedem um esforço adicional. E é agora que podemos falar na Dinamarca ou noutros países em que as pessoas estão contentes com o estado. Eu não sou radical e considero o liberalismo uma utopia, mas bonita, assim como defendo o fim de países (ficariam apenas regiões, como te expliquei noutro dia) e a livre circulação mundial de pessoas, tal como na canção do Lennon. É a minha utopia, sermos todos seres humanos como as pessoas 🙂
Ui….andas a ler Ayn Rand ou que? O Vareta falou bem. Eu voto Vareta.
o meu sistema permite que votes vareta na vossa cooperativa de habitação no seixal.
Tenho dito. Fui.