não acredito que a minha biblioteca esteja vazia

Ando há dias a tentar escolher um livro da minha biblioteca, tenho a sensação de ter comprado vários em que nunca toquei e às tantas já não me lembro se os li ou não, posso acreditar que sim e afinal não.

A falta de literatura séria tem sido compensada pelo tempo que me toma a fotografia e pelo facto de ir de bicicleta quase sempre. Só leio a sério se for de metro. Podem ser apenas 30 minutos diários nos transportes, mas quando entro no ritmo da leitura depois leio ao almoço também e noutras ocasiões, fazendo facilmente pelo menos 1h diária. Parecendo que não despacham-se livros.

Encontrei uns livros em inglês, estive quase para dar uma segunda oportunidade ao Under The Volcano que achei insuportável, outros em francês, como o Le Pont de Londres do Céline mas que é a sequela de um que não li… mas preciso de ler português. Encontrei os contos do Kafka, edição da Assírio. Foi descobrir um pequeno tesouro. Não me lembro se já os li (são muitos, alguns têm meia página, raramente mais de três). Que maravilha, meu deus. Preparem-se, preparem-se. Excelente tradução do alemão por Álvaro Gonçalves, José Maria Vieira Mendes e Manuel Resende.

mas tenho de comprar livros urgentemente. Dos contemporâneos tenho de ler Bruno Vieira Amaral. De resto, vou encomendar uma leva de coisas. Tenho algures uma lista.

raparigas a ler bons livros #1

Rapariga no metro linha verde a ler Drácula de Bram Stoker muito concentrada. Cabelo castanho muito claro quase louro, estatura média. Calças amarelas, botas assertivas. Mochila com um portátil. Pausas ocasionais para olhar um pouco em volta sem ver nada ou para coçar uma mão, um pouco intrigada. Saiu disparada na baixa chiado. A mochila era de uma consultora americana conhecida.

o meu esquema ideal

Se eu fizesse um esquema artístico de foto dating artístico, provavelmente esforçar-me-ia um pouco mais do que levar miúdas giras para o meu quarto e depois meter grão e vigneting no lightroom. Faria foto-contos para o https://exposure.co/ baseados em primeiros dates.

Todos as fotos tiradas na perspectiva do narrador. Ela seria uma personagem, haveria um contexto. Teria um guião para poder planear as sessões, os planos, os locais, a roupa, etc., sujeito a discussão e improvisos claro. Seria preferível partir de algo que lhe diga qualquer coisa. Algo como um alter-ego ou a caricatura dela própria ou situação. Eu faria uma história à volta disso e depois inspirado pelo date e sessão real.

thurman

Muitos dates corriam mal para o narrador. Alguns logo do momento zero (gelo total, tédio), outros em tom melancólico, resignado, intimista, outros até pareciam bem encaminhados para o nosso John Travolta até a Uma Thurman ter uma overdose de caipirinhas antes do jantar (true story).

Seria divertido. O que acho muito desinteressante na fotografia erótica artística sem contexto é que fica num limbo de vergonha entre a afirmação estética e a pornografia, mesmo a softcore de qualidade. Tenho a sensação que já vi aquilo 500 mil vezes e é-me indiferente, os corpos nas sombras. A originalidade está nela, mais do que na fórmula batida.

Naturalmente, como sou uma merda de fotógrafo, a estrela é o texto, a imagem seriam detalhes sugestivos, momentos, se ela não quisesse aparecer nem sequer com a cara não seria dramático, bastam-me mãos, malas de mão, pescoços.  Ao fim de 3 ou 4 mulheres normais e umas declarações azeiteiras e políticas contra Cavaco Silva etc. temos o filão montado, a linha de montagem digamos assim.

fast forward

A paixão à primeira vista não tem só a ver com vista, em grande parte é acreditar que nós somos o que aquela pessoa precisa e que todas as linhas narrativas do passado vinham em diagonal para se cruzarem no agora.

Há pessoas com mais ou menos propensão a esta emoção e noto mesmo que tenho alguns amigos que nunca deram por ela. Penso que é preciso ser propenso à imaginação e ter elementos para construir isso, como arte, histórias, filmes, ser o chamado “romântico”.

Uma paixão à primeira vista é como um problema cognitivo grave, um episódio de alucinação em que o destino está escrito. Eu manifesto alguma dificuldade em lidar com a evidência de que sou o único a ter a referida alucinação. Como tudo o que é muito importante é completamente fruto do acaso o meu papel numa ocasião dessas é organizar as peças de um puzzle que me deram.

Isto podia ser romântico, e é quando é visto de fora, ou cómico quando é contado a amigos ou recordado depois da miséria, ou quando é escrito, mas nas, felizmente muito raras, ocasiões em que senti estar perante a ‘beleza que faz doer’, entrei em modo diabo da Tasmânia e fui tudo menos eficaz. Na minha cabeça sou o Donald Draper meets Jonathn Richman com toques de JD Salinger, mas na realidade pareço um misto de Jim Carrey meets cão solto na praia depois de 2 horas num carro.

A força da minha alucinação pode ser tão grande que se torne colectiva, do género ela olhar para mim, ver o quão entusiasmado e optimista estou e querer experimentar um bocado da droga. Diria que no passado foi 50/50, umas vezes acerta-se, outras não.

No Japão quando eles estão constipados andam de metro com a máscara para não pegarem a gripe a outra pessoa. Lembrei-me disto. Próxima vez que me apaixonar vou usar uma no metro. Para além da checklist, criei outra regra de ouro, que feliz ou infelizmente ainda não tive de usar e que é imitá-la. Se ela disser “olá” eu fico-me pelo “olá” também. Se me disser “quero casar contigo” eu digo “claro que sim, quando?” Assim, tudo tem imensa lógica e a comunicação é perfeita. De outro modo parece aquela situação em que uma mulher está a entrar de água no mar, a molhar o pezinho, toda arrepiada, e nós vamos e fazemos uma bomba TCHUAAaAAAa ao lado dela e ela foge a correr para a toalha.

Lembro-me de um amigo meu ter tido uma fase de ataques de pânico e quantos mais tinha, mais profissional ficava naquilo. Já sabia dizer à mulher “estou a ter um ataque de pânico, socorro”. Não o impedia de pensar que ia morrer na mesma, mas não era tão assustador para a família porque já todos sabiam que não ia mesmo morrer.

As tantas já o metiam sozinho no taxi para o hospital, apesar dele sentir que ia morrer pelo caminho, sem a família. Mas nunca morria e às vezes ainda voltava no próprio dia como se não fosse nada, um bocado embaraçado.

Uma música de que eu gosto muito, mas que não tem qualquer relação com o post.