noite de chuva, Lisboa

Em vez de irmos direitos para casa fazemos um desvio.

Demora tempo a entrar no ritmo, mas depois tudo começa a fazer sentido e a encaixar.

E passamos a ocupar o espaço entre as coisas em modo fantasma.

Mesmo o banal aparece-me de outra forma. Linhas, cores, reflexos.

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Uma epifania. As veias da terra.
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as cópias:

 

“the sun always shines on tv”

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william eggleston

Egglestone Untitled (California Desert series)

egg

William-Eggleston

Mesmo alguém que não conheça propriamente o nome de Eggleston reconhece os clichés. Por vezes, ao conduzir por Portugal fora das autoestradas, contacto com o kitsch português, o da beira da estrada, e interrogo-me se fotografado ou filmado “à americana” poderia adquiri a mesma dimensão mítica. O desafio seria conferir beleza e poesia a algo que de outro modo ou noutro contexto é simplesmente feio, de mau gosto, barato, vulgar ou indiferente. Já escrevi sobre isso há uns anos, a propósito de uma estrada que liga Mafra a Sintra e que passa por uma terra cheia de lojas de loiça para jardim, onde pontuam os leões de mármore, as casas de cão xxl e até alces, uma misturada de decoração para túmulos com os seus anjos e cartazes de promoção 30%. Talvez um tema interessante fosse fotografar o feio que o português gosta, mas isso seria uma crítica. O certo é que me parece impossível querer o mesmo efeito Eggleston a fotografar os EUA. Em Portugal, nem mesmo no Alentejo, conseguimos ter a noção de espaço vazio e linhas horizontais, horizontes desimpedidos, céus abertos. Isso é extremamente importante no efeito de certas fotos de Eggleston. O espaço vazio entre o espectador e os objectos, e entre os próprios objectos na ocupação do plano horizontal, contribui para acentuar uma sensação de irreal, de isolamento, de sonho.

(David Lynch, confesso admirador de Eggleston, usa esse efeito em várias cenas, nomeadamente recorrendo a grandes angulares que o acentuam)

lynch

Os EUA criaram os seus próprios monumentos, a sua própria mitologia, espontaneamente, à medida que surgiram tecnologias como o anúncio neon, o pré-fabricado, o plástico, o alcatrão, o automóvel para as massas. Portugal, por outro lado, é um país com milénios de história. Numa aldeia há igrejas com 500 anos, hábitos e costumes ainda mais antigos. Parece difícil encontrar o lado “pop” da paisagem portuguesa e do quotidiano contemporâneo português em zonas descentralizadas, sem enveredar por uma crítica sociológica qualquer, um “olhem como eles têm mau gosto”.

Há um meio termo delicado. Como consagrar o barato e espontâneo e de gosto muitas vezes duvidoso, mas sincero, nascido de um gosto ingénuo e de uma necessidade prática, sem um juízo ou sem causar um efeito irónico?

 

 

preto e branco

Respondendo ao comentário da Anna Blue aqui em jeito de texto e repescando um tema que tinha abordado e depois apaguei… preto e branco, cor…

Quero evitar ao máximo uma certa afectação que também existe quando escolhemos o preto e branco (PB). Eu em 2003 fotografava em filme e a PB e as fotos eram horríveis. Mas pensava que usando PB estaria mais próximo de algo artístico e sinto que essa intenção é autoconsciente e colide com a perspectiva que tive sempre na escrita quando um autor escolhe usar uma palavra mais erudita ou uma frase menos natural quando há alternativas.

Também sinto que as pessoas reagem de forma diferente ao preto e branco ou a cores. Por exemplo, se colocarem uma foto a cores de um filho, cão ou gato no facebook, as pessoas contemplam-na como uma snapshot rápida, acidental… Mas se a foto for a preto e branco, as pessoas param automaticamente para examinar a mesma com uma predisposição diferente. Refira-se que é exactamente isto que me enerva na poesia em livro e especialmente leituras:  o facto de ser “um poema” parece que predispõe imediatamente o leitor, especialmente em leituras de poesia, a sentir-se receptivo, atento, sentimental. Enquanto que à sua volta pode haver poesia num anúncio, num blogue, num facebook, num sms, ela simplesmente não tem o mesmo valor que no contexto do livrinho de papel do caralho da lojinha de livrinhos de edições limitadas… Não que a poesia não tenha valor, o ponto não é esse, é como tudo, o que digo é que o sentido crítico não é o mesmo, é como aquele viral do violinista famoso a tocar no metro e todos passarem por ele. Podia falar também no contexto das artes plásticas, o urinol de Duchamps etc.  é um tema velho, mas inteiramente actual e eterno. Há exemplos constantes na fotografia, fotos que foram pensadas como fotojornalismo ou documentário acabam por ser expostas em galerias de arte, porque o são, mas numa galeria já têm toda a nossa atenção e reverência.

A fotografia é provavelmente a forma de arte mais democrática e acessível, pelo que esta questão é especialmente pertinente.

O ponto é que tenho medo de usar o preto e branco numa foto exigindo para mim a atenção de “hey, fiz arte, olhem”, enquanto que com cor isso não é de todo óbvio. Quando fotografo paisagens bonitas, a mensagem já é muito mais “hey olhem para este sítio espectacular!” Talvez o meu manifesto principal queira ir por aí, como evitar ser pedante e ao mesmo tempo esforçar-me para fazer coisas cada vez melhores?

End of rant. Há fotos que vivem muito da cor ou quase exclusivamente da cor. Depende do que queremos realçar. Há fotos que ganham por ter uma cor dominante ou duas ou então tons saturados, contrastes, se estiverem des-saturadas sugerem decadência, se usarmos tratamentos de cor ou fotografarmos cores que remetem para épocas 60,70,80, 90 etc. podemos puxar para a nostalgia da infância de uma geração

É curioso como a cor também define épocas, seja pelos químicos dos negativos, seja pelas máquinas, lentes e pigmentos que se usavam nas tintas, plásticos, roupas…Tomemos exemplo estas de William Eggleston dos anos 60, 70…

colour

Muitos fotógrafos usam lentes antigas – ou mesmo máquinas – para recriar os próprios “defeitos” das mesmas que conferem às imagens uma cor e textura diferente que pode transmitir algo forte, emocional, por vezes subtil se os  motivos forem actuais.

A foto de que gosto mais das gaivotas a voar é quase monocromática e está a cores porque o nevoeiro pôs tudo com aqueles tons, excepto uma nesga de céu azul. Daí que as centelhas de reflexos do sol nas penas das gaivotas sejam mais bonitos assim e pondo a PB perdia algo. O céu azul que se vislumbra até parece uma surpresa porque a foto podia ser a PB.

Já a da turista passava-se o oposto, a luz não era muito boa daquele lado o tema é a perna no muro duro.  Também tenho feito fotos só de azul, branco, preto e tido o cuidado de rotular isso agora, para daqui a uns anos poder escolher um top 20 de 500 fotos….

A landscape tanto pode ficar magnífico a preto e branco como as do Ansel Adams

ansel

como a cores…

Toroweap Overlook

Em 2015 usar PB é uma escolha intencional, enquanto que na altura em que o enorme Ansel Adams fotografava, não havia escolha e tendo em conta os contextos das suas fotos, algumas encomendadas, duvido que hoje fotografasse a PB sempre, provavelmente mudaria de um para outro conforme o tema.

Um dos meus fotógrafos preferidos é o fotógrafo de surf e natureza Morgan Maassen e ele tanto usa a cor como o preto e branco.

massen2massen1

Já agora, gosto do Maassen porque ele dá 10 a zero a muitos dos fotógrafos considerados artísticos e procura abordagens inovadoras, mas ao mesmo tempo é apenas um “profissional” que gosta de fotografar surf, mar, ondas, e também faz publicidade etc. Combina o lado despretensioso com um rigor estético formal enorme.

Pensar em PB obriga-nos a procurar outras coisas. Por exemplo, texturas, linhas, contrastes. Como há menos ruído a composição e luz torna-se mais evidente, e deve ser por isso que o senhor que me vendeu a máquina preferia usá-la assim. O fotógrafo a quem comprei a máquina tinha o visor a PB sempre porque dizia que isso o ajudava a perceber a luz, mesmo que fotografasse a cores.

O PB torna mais evidentes problemas de falta de contraste. Ansel Adams explica muito bem isso nos seus magníficos livros que li na altura. Ansel explora o range todo, do preto “preto” ao branco “branco”.

Ansel Adams Wilderness, California

Eu neste momento uso o histograma durante algumas fotos porque percebi que o nosso cérebro é mesmo muito bom a fazer compensações de falta de luz ou excesso dela e porque é uma boa ferramenta de aprendizagem. Acho uma técnica melhor do que ter o visor em PB por exemplo. Se vejo que não tenho nada na zona do preto ou do claro do histograma, sei que a foto dificilmente terá contrastes fortes. Não que seja sempre isso que se deseja, mas é um sinal, até porque depois no Lightroom com os ajustes vejo o que acontece no histrograma com bastante cuidado e percebo que se tivesse visto logo o histograma no momento da foto, teria evitado estragar uma foto.

O preto e branco é algo que penso usar pontualmente. Como é o caso da foto do eléctrico cujo objectivo exige. Como muito bem identificou uma amiga, estava a querer copiar o Brassai que tinha visto num livro no metro nesse dia, da série Secret Paris, dos anos 30.

brassai

A foto do eléctrico, pela ausência de referências de reposicionem a foto em 2015, acaba por surtir um efeito emocional, afectivo, porque remete não só para uma Lisboa antiga, mas para um universo de filme noir ou mistério, uma Lisboa onde Pessoa deambula com os copos, gelado, e onde só há vultos na rua ou ninguém. Isso requer preto e branco. Podia fazer um livro assim só de Lisboa. Já sei uns truques curiosos para isso, como usar filtros de densidade neutra que permitem exposições muito longas que acabam por apagar todas as pessoas da imagem, ficando apenas o que está estático, resultando uma sensação de vazio pós-apocalíptico que me agrada muito…

25, noite, work in progress

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exemplo de foto que é preciso refazer.. o ar tinha uma ligeira névoa que sugere o inóspito do gelo (que estava), mas não o suficiente aqui. E percebi que reflexos de chuva no asfalto podem tornar uma imagem como esta muito mais interessante, assim como a total ausência de pessoas e uma exposição mais longa com tripé para o eléctrico surgir desfocado e sugerir movimento, em vez de estar estático como aqui. Não obstante, gosto da foto, remete-me para outros tempos pela ausência de viaturas, mas com o contraste dos tapumes e andaimes das obras do lado direito, próprios de 2015. O padrão luz e sombra dos pilaretes do lado esquerdo no passeio também me agrada.

BANIF e os bailouts…

A extrema esquerda é a única que tem desde 2011 uma visão coerente sobre a solução para a banca, embora errada. Nos EUA o intenso debate ocorreu apesar dos bailouts terem gerado lucro e de terem travado uma depressão profunda. O debate ocorre porque há um custo mais grave: o dano moral / ético e a perturbação  das leis da concorrência, impedindo bancos mais conservadores, transparentes e bem geridos de ganharem mais quota e crescerem. Há estudos que demonstram que os bailouts incentivam os bancos a terem comportamentos mais arriscados. É certo que o facto de existirem garantia de depósitos também torna os depositantes indiferentes ao critério “segurança” pelo menos até um certo montante. Um cenário com o que acontece em Portugal em que os bailouts já somam mais de 10 mil milhões de euros seria impensável. E não vai ficar por aqui.

É claro que António Costa diz que não enfiar 3 mil milhões no BANIF teria custos muito graves para a economia, como diria Passos, Sócrates etc. Primeiro, deviam ser muito mais pedagógicos e explicar de forma concreta qual era a alternativa. Não é normal que uma TAP gere tanto debate e discussão e depois uma coisa que custa 10 vezes mais é despachada assim.

O certo é que isto vai muito para lá desse custo imediato de vermos um lesados do BES vezes 1000 e efeitos dominó. Primeiro, é inadmissível que uma empresa com apenas 3% de quota de mercado num ramo de actividade supostamente concorrencial e que se considera privada,  gere um buraco de 3 mil milhões que os contribuintes têm de pagar. Não faz qualquer sentido e qualquer debate ou explicação tem de procurar – como procura o PCP e o BE – ir à raiz do problema e não agir como se isto fosse um episódio circunstancial e inevitável. E não, a regulação sonhada por Costa, que àa boa tradição socialista de centralizar no Governo e multiplicar poleiros, não resolve coisíssima nenhuma, apenas as piora.

Não defendo a ausência de regulação, apenas que ela só será eficaz se deixarmos os bancos falir naturalmente e os buracos engolirem o que tiverem de engolir, lesando quem tiverem de lesar. Basta perceber que estes bancos passaram os testes de stress. Com uma ausência de transparência tão grande e a hipercomplexidade das operações num mundo global, como é possível regular? Alguém se lembraria de fazer um bailout a um hipotético buraco gerado pela VW se esta falisse por ter aldrabado os testes de emissão de gases?

Claro que isto só seria possível após um período de transição em que as regras fossem claras. Actualmente  – e eu estudei intensamente a banca – os clientes tendem a não distinguir os bancos entre si e só ligam a taxas de juro ou proximidade de casa. Mas eu aposto que se acabassem com as garantias de resgates e até dos depósitos, os clientes iam tornar-se extremamente mais cuidadosos na escolha das instituições e daríamos azo à inovação e ao surgimento de alternativas ao próprio conceito de banco como o vemos e que talvez não tenha mais cabimento no próximo século. Talvez uma das inovações seria um regresso a produtos ultra simples e a estruturas de  auditoria hiper transparentes. Isso poderia em muitos casos arrefecer a concessão de crédito e a mobilidade do capital, o que podia traduzir-se em crescimentos anémicos (é extremamente ineficiente ter riqueza parada), mas poderíamos caminhar para algo melhor.