amor

Numa criança de dois anos as emoções estão despegadas da razão ou consciência. Se por um lado é chato porque é difícil contrariar uma birra com recurso à argumentação lógica e a própria não consegue controlar-se, por outro, não existe o rancor que numa criança um pouco mais velha já começa germinar, e muito menos a violência mental, já nem vou à física ou verbal, a que alguns adultos chegam, especialmente no contexto de relações em que vivem juntos, sobretudo casados.

Ela tem dias em que adora tomar banho comigo e outros em que tem uma birra épica. Pergunto-lhe “o que foi, o que se passa? está quente? fria?” e ela não responde nada de coerente, só chora, gesticula, protesta, espezinha. Agora isto é raro, mas acontece. Não queria tomar banho e isso é suficiente para a mente resistir e manifestar a sua indignação da forma mais descontrolada possível. Naturalmente, toma banho na mesma comigo, sou algo impassível perante este tipo de manifestações.

Mas reflicto. Eu sou a fonte do stress dela, estou a dirigir-lhe um jacto de chuveiro para cima e ela não quer. Estou ensaboar-lhe o rabo e as orelhas, depois secar-lhe o cabelo, pacientemente. Isso é uma coisa desagradável se for contra a nossa vontade. Mas simultaneamente, ri-se, dá-me o frasco de champô, a tartaruga e o carangueijo, ajuda-me a sair do banho (pega na minha mão e diz “vou-te ajudar”) e não só não aparenta um resquício mínimo de rancor como mantém em paralelo demonstrações de amor ou apego como abraçar-me enquanto lhe seco o cabelo.

É diferente em circunstâncias em que esse amor é, para ela, posto em causa. Por exemplo, se ela quer atenção e eu estou a fazer outra coisas, importantes ou não, e lhe digo “agora não” ou “espera, 5 minutos”, nesse momento a relação causa-efeito é total. Não há banho ou secador, só eu que não quero pintar gatos naquele momento. O que está em causa somos nós os dois. Cai de joelhos e faz a cara de triste, desiludida, os cantos da boca descaídos, os olhos à gatinho das botas e fica-me ali no chão a olhar para mim, profundamente indignada, com um “como és capaz?!” no olhar. É irresistível e eu digo pronto, pronto e puf a indignação desaparece tão rápido que uma pessoa desconfia se não foi alvo de manipulação.

8 thoughts on “amor

  1. No que diz respeito a esses pequenos seres dos quais somos progenitores, seremos sempre alvo de manipulação. Sempre.
    Eu sou adulta, mãe e ainda hoje uso esse pequeno “truque” com os meus pais 🙂

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